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“O nobre Guerreiro” – Por Dr.Catta-Preta

DR CATTA-PRETA:

TONINHO

“O NOBRE GUERREIRO”

Início dos anos 60. A cidade de Bauru, na região noroeste do estado de São Paulo, já havia revelado Pelé, o rei brilhava intensamente; projetava Bauru para o mundo.

Pelé, antes da glória, jogara por um time amador de Bauru mas o Noroeste, time profissional, era o dono daquela cidade e daquela região e acho que o Noroeste tinha ciúmes, por não ter revelado o rei.

O Noroeste era uma escola de futebol assim como tantos clubes do interior eram escolas de futebol, o futebol interiorano era chamado então de “celeiro de craques”.

Não havia empresários futebolísticos, o futebol não tinha dono, o futebol era, nessa época, ele próprio e por si próprio, o dono de todas as alegrias e de todos os prazeres.

Enquanto Pelé assombrava as multidões jogando pelo Santos FC e pela seleção brasileira, aparecia um menino em Bauru que deixava os bauruenses loucos.

Antonio Ferreira viera à luz em 1942.

Em 1962, aos 20 anos, o Toninho, como era chamado pela família e pelos amigos, tendo jogado bola desde os nove, dez anos, já conhecia tão bem os segredos da grande área que se dizia que ele nascera naquela região do campo de futebol.

Toninho era o dono da área, naquele espaço do campo Toninho transitava espontaneamente, muito à vontade, como se estivesse em casa. Pouco tempo demorou para que a fama daquele menino ganhasse dimensões estaduais.

Toninho, com seu jeito pacato, com seu estilo nobre de jogar e com a sua perseverança em busca do gol, começou a fazer história. Ele era impiedoso com o Palmeiras, com o Santos, com o São Paulo, com o Corinthians. Quem se habilitasse a enfrentar o Noroeste podia ganhar, mas que Toninho iria causar problemas iria, e como iria!

Toninho fazia gols de todo jeito, o menino cabeceava, batia bem com qualquer dos pés, driblava, era um leão feroz na área.

Quando aparecia um esboço de craque, os grandes se mexiam. Todo mundo queria o jogador. Toninho passou a ser o objeto do desejo dos grandes clubes de São Paulo no início dos anos 60.

Corinthians, Palmeiras, Portuguesa, Santos e até o avarento São Paulo, que só abria a carteira para comprar cimento, disputavam a pérola.

Resolvendo a árdua e longa disputa, o menino optou, claro, pelo Santos de Pelé, ele estava certo, quem não desejaria atuar ao lado do rei?

Toninho aportou na Vila, mas na Vila o centroavante era Coutinho, o lendário parceiro de Pelé, onde jogaria o menino prodígio de Bauru?

Logo se soube. Toninho foi para a ponta-direita, naquele tempo havia pontas-direitas, Garrincha era o modelo de todos eles.

Mas Toninho foi ser um ponta-direita diferente. Ele não era um driblador para entortar laterais, ele era, isto sim, um goleador implacável.

Toninho então passou a ser uma alternativa diferente para o mundo da bola, como é que um ponta, ao invés de ir à linha de fundo, fechava em diagonal para a área e tabelava com os atacantes ou fazia ele mesmo os gols?

Usando Toninho na ponta, Lula, o técnico santista, reinventava o ortodoxo futebol. Antonio Ferreira, o menino de Bauru, era o personagem da reinvenção.

Coutinho, o gênio da área, o homem que tinha pena da bola, pois a chutava com tanto carinho que na maioria das vezes ela ia para dentro do gol sem balançar a rede, passou a engordar, perdeu a forma. Coutinho não precisava correr, então não corria. Coutinho tinha um pacto com a bola. Ele apenas a impulsionava, ele a fazia transitar livre e solta e ela, a deusa bola, não o fazia se esforçar para tê-la, vinha a ele, como que por encanto.

Então, sedentário na área, Coutinho engordou. Pior, gordo, teve problemas no joelho.

Então, Antonio Ferreira, o menino de Bauru, que jogava com a 7, assumiu a camisa 9 do Santos. E foi uma verdadeira chuva de gols.

Não havia mais as tabelinhas Pelé/Coutinho, mas ver Toninho esquadrinhando a bola incansavelmente, por todos os cantos da área, era uma novidade especialíssima!

Toninho era tão bom, mas tão bom, que houve passagens em que a torcida perguntava: quem vai fazer mais gols nesse ano? Pelé ou Toninho?

Quando em 1969, ao fim de outro campeonato paulista ganho pelo Santos, eu ouvi uma entrevista de Toninho, o guerreiro, para a Rádio Bandeirantes, onde ele dizia que iria para o São Paulo, vibrei como se estivesse vendo chegar Leônidas! Contratar Toninho era, para o São Paulo, um gol de bicicleta!

Ele viria se juntar a Gérson, a Forlan, a Pedro Rocha, enfim o São Paulo voltaria a brilhar depois da longa, penosa e redentora construção do seu templo monumental!

Eu não dormi naquela noite. Toninho no Morumbi era demais!

Fui à estréia dele. Dele e de Gérson. Uma tragédia. O desentrosado São Paulo do “canhotinha de ouro”, de Dias e dele, Toninho, perdeu por 5 x 2 do Atlético Mineiro no Morumbi.

E não durou muito o sonho que a torcida tricolor mal acabava de sonhar. Todos os astros do futebol brasileiro foram convocados para a seleção que iria encantar o mundo em 1970. Toninho e Gérson, os novos heróis tricolores, estavam entre os convocados, claro.

Toninho, já como jogador do São Paulo, embora sem ter feito um golzinho sequer pelo Bem Amado, era uma aposta de toda a torcida brasileira. Toninho, já chamado “guerreiro”, era certeza de gols.
João Saldanha, o saudoso e inesquecível “João sem Medo” jornalista que o Brasil guindou inéditamente à condição de técnico da seleção brasileira naquela época, conta em um polêmico livro e em entrevista à revista Placar como foi o corte de Toninho Guerreiro da seleção.

Para Saldanha, Toninho era o melhor companheiro de Pelé, Toninho era insubstituível!

O general que naqueles tempos comandava a pátria com mãos de ferro, entretanto tinha outras idéias.

Segundo relato de Saldanha à referida revista Placar, inventaram uma sinusite para Toninho, sinusite que lhe impediria de jogar e então o guerreiro foi cortado. Em seu lugar, para rivalizar com a fama de Tostão, então jogador do Cruzeiro, foi convocado Dario, o centroavante do Atlético das Minas Gerais.

Toninho cortado da seleção voltou para o são Paulo. Voltou acabrunhado, triste, decepcionado. O São Paulo passava por um momento de transição.

Talvez passasse por um de seus maiores momentos de transição. Transição das transições. Depois da construção do Morumbi, era o momento de se tornar dentre os grandes o primeiro, tal qual profetizara, décadas antes, Porfírio da Paz.

Meses se passaram até o guerreiro se adaptar. Eu ia aos jogos e me perguntava: por que Toninho não marca?

Foi contra o Vasco, no Morumbi, em uma fria quarta-feira à noite, pela Taça de Prata, ancestral do Campeonato Brasileiro, que Toninho desencantou, bem ao seu estilo. O goleiro ousou largar uma bola depois de uma cobrança de falta, Toninho estava longe do goleiro mas deu um carrinho longo e desviou a bola para o fundo do gol. Estava selada a sina dos adversários do São Paulo.

Toninho desandou a fazer gols. Fazia gols de todos os jeitos. De cabeça, com o pé direito, com o pé esquerdo, de bicicleta, era uma tempestade de gols.

Toninho jogava sozinho à frente no time de Zezé Moreira, time que voltaria a ser campeão paulista em 1970, depois de longos treze anos de jejum.

Digamos que Toninho tinha o então meia Terto ao seu lado naquele ano de 1970.Verdade. Bem, mas Terto não era Pelé. E mais: Terto caía pelo lado direito, como se fosse um ponta, porque Paulo Nani, o nosso 7, era um meio-campista.

Então a jogada era a seguinte: bola com Gérson. Gérson, o virtuoso “canhotinha de ouro”, fazia um lançamento de 40 metros para Terto em um contra-ataque qualquer; Terto ia à frente, pela direita, e cruzava para a área. Lá estava Toninho, nosso personagem. Toninho e uma multidão de marcadores. Mas o intrépido guerreiro ia em busca da bola e no meio da refrega se encontrava com ela e era gol.

Toninho era um nobre na área.

Nunca se viu Toninho jogar sujo com um zagueiro. Toninho disputava a bola com os adversários como quem os convidasse educadamente para uma festa. Ele disputava a bola lealmente, e sempre levava vantagem.

Toninho tinha habilidade, sabia esconder seu esférico instrumento de trabalho e não tinha medo de cara feia. Toninho se colocava na área como um tigre, do lado esquerdo ou do lado direito, naquele território seu bote era fatal, de cabeça ou com os pés.
Até hoje me recordo de três dos maiores gols que, dentre muitos vi em minha vida.

Curiosamente são três gols de Toninho, o nobre guerreiro.

O Santos dava um baile em sua vítima interiorana preferida, o Botafogo de Ribeirão Preto. Sei lá quanto o placar ostentava. Então, Manuel Maria, um ponta hábil fez a maior jogada de sua vida: deu uma carretilha no lateral-esquerdo Carlucci do Botafogo e a bola caiu-lhe aos pé na lateral da pequena área. Manuel vislumbrou o “guerreiro” Toninho entrando sedento e, sem que a bola tocasse ao chão, deu-lhe o passe.

Toninho, o nobre guerreiro, podia ter dado um bico para fazer o gol, era o que se esperava de qualquer outro artilheiro. Mas, Toninho, encantado com aquela jogada do companheiro e sem querer tornar banal o lance, simplesmente virou-se de costas para a bola e surpreendentemente, de calcanhar, com indiferença jamais vista, a enviou para a rede, doce e suavemente.

Até hoje não se sabe se, naquele primor de lance, foi mais bonita a jogada do Manuel Maria ou a conclusão do guerreiro…

Outro gol do meu coração foi marcado por Toninho na decisão do Campeonato Paulista de 1971, quando o campeonato regional era uma “avis rara”.

São Paulo e Palmeiras decidiriam o título. O São Paulo de Gérson contra o Palmeiras de Ademir da Guia.

Logo aos 5 minutos do 1º tempo uma bola viajou pelo alto na área palmeirense, Minuca, o zagueiro verde, tocou nela quase com a nuca e a pelota veio caindo, dentro da área, lado esquerdo do ataque tricolor.

Lá estava o santo guerreiro e ele, sem pestanejar, amorteceu a bola no peito e acertou um sem-pulo antológico que estufou as malhas de Leão.

Um gol inesquecível, um gol místico, um gol para os nossos tataranetos e para os netos dos nossos tataranetos, um gol para a eternidade! Esse jogo durou três eternidades, foi esse gol que nos deu o título de 1971.

Toninho, o “guerreiro”, era insaciável, como era bom vê-lo jogar, que raça, que vontade, que dedicação e que grande nobreza em busca do gol!

Antes, no ano anterior, angustioso ano de 1970, quando o São Paulo quebraria o jejum para ganhar um título depois de 13 anos, foi de Toninho, no Brinco de Ouro da Princesa, o primeiro gol do São Paulo contra o Guarani, o gol que anunciava o sonhado título.

E como se todas essas memórias não bastassem, recordo-me que Toninho fez um gol que é para mim o gol dos gols, o “gol golzarum”.

Numa tarde chuvosa no Morumbi o São Paulo enfrentava o Santos pelo campeonato paulista, nesse mesmo ano de 1970, ano da ressurreição do Bem Amado. Foi um clássico eletrizante. O São Paulo venceu o time de Pelé por 3 x 2, e desse jogo em diante a torcida do Mais Querido passou a acreditar que o título viria. O gol que fez o tricolor vencer foi de Toninho. Um gol de ouro, um gol inesquecível, que assisti ao lado de meu pai.

Num cruzamento aéreo para a área Pelé escoltava Toninho. E foi à frente de Pelé que o guerreiro aplicou uma bicicleta de antologia poética, foi talvez para homenagear o rei que ele colheu aquela bola alta e a colocou com estilo e agilidade no fundo do gol. Em homenagem a Pelé, estava decretada a reaparição da sacrossanta camisa tricolor!

Toninho fora tri-campeão paulista pelo Santos de Pelé, em 1967/68/69. Veio para o São Paulo nos fins de 1969 e com a conquista do campeonato de 1970 pelo Mais Querido, tornou-se o único atleta a ser tetra-campeão paulista repetidamente. Quem se atreve a superar semelhante façanha?

Toninho ousou superar Pelé na artilharia do Campeonato Paulista. Foi o artilheiro isolado em 1970 e em 1972, sempre com a camisa tricolor.

Toninho era um bravo, mas era essencialmente um nobre na área.

Um nobre guerreiro. Detesto estatísticas mas recorro às estatísticas para dizer que Toninho, o nobre guerreiro, fez meio gol por jogo em sua carreira de três anos no São Paulo. Em 1973, Toninho parou.
Toninho era clássico, discreto e batalhador. Toninho não perdia gols, fazia gols.

Numa madrugada de 1973, década maravilhosa de anos já esquecidos e agora neste texto relembrados, em certo restaurante boêmio de São Paulo, um jovem universitário de Direito foi visto com o astro Toninho, ambos envolvidos com uma dúzia de garrafas de cervejas vazias, as cervejas eram, depois do São Paulo, as paixões do jovem e do craque.

O jovem universitário e o gênio nobre da bola deixaram a noite passar às gargalhadas, ambos fizeram poesia e recordaram gols de todos os tempos, tempos que julgavam imortais.

O gênio da bola era Toninho, o artilheiro que Deus levaria precocemente para fazer peripécias no céu em 1990 e o jovem universitário era eu, que hoje derramo lágrimas ao constatar que nunca mais teremos a nos motivar o leão da área, o nobre e implacável Toninho, o Antonio Ferreira, esse maravilhoso artilheiro tricolor.

Ave, Toninho Guerreiro, nobre tricolor!

Dr Catta-Preta é advogado e são-paulino.

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