A febre das canetas emagrecedoras fez sua estreia no São Paulo de uma maneira surpreendente, destacando-se no meio da histórica crise que afeta o departamento médico do clube desde 2025. Essa temporada, por sua vez, já contabiliza mais de 70 ausências de jogadores devido a problemas físicos. As discordâncias em torno da prescrição do medicamento Mounjaro para os atletas foram relatadas por várias fontes ao UOL e se tornaram um emblemático símbolo da fragilidade e divisões internas que marcam o departamento médico, sujeitando-se à política do clube.
O Mounjaro, um medicamento à base de tirzepatida, é originalmente indicado para o tratamento de diabetes tipo 2 e a obesidade. Sua recomendação usada em atletas causou controvérsia, pois foi realizada sem o consentimento de diversos profissionais da saúde que atuam no clube. O nutrólogo Eduardo Rauen, responsável por essa prescrição, indica ainda um fornecedor que entrega o remédio em embalagem, rótulo e bula em inglês, evidenciando que não foi adquirido no Brasil. Em defesa de sua prática, Rauen declarou que, de acordo com a bula, pacientes com IMC superior a 27,5 e comorbidades, como lesões articulares, têm indicação formal para o uso do medicamento, desde que sob acompanhamento médico.
A situação gerou uma crise sem precedentes, resultando em um pacote de demissões e mudanças no departamento médico para 2026. Essas demissões atingiram em sua maioria profissionais que estavam há anos no clube, tentando reerguer uma estrutura que, ao longo das décadas, foi referência nacional no tratamento de lesões, mas vem perdendo essa identidade em meio a um ciclo contínuo de crises. A origem das lesões é uma questão que gera divergências e difíceis diagnósticos, mas a reportagem investigou a fundo os bastidores desse processo, onde profissionais se encontraram em caminhos distintos, sem integração, e discordaram abertamente sobre protocolos de carga, avaliações musculares e condutas na reabilitação.
Com a divergência de métodos crescendo ao longo da temporada, a criticidade da situação gerou um ambiente considerado “insustentável” pelos dirigentes do clube, levando a uma reforma abrangente. O caso Mounjaro acabou por evidenciar que no que foi um modelo de departamento médico coexistem diversas abordagens que não dialogam entre si. O superintendente Márcio Carlomagno ressaltou que o ano de 2025 deve servir como exemplo do que não fazer, reconhecendo que as resistências internas a mudanças eram um dos problemas que contribuíram para o desempenho aquém do esperado.
A situação no departamento médico se complicou com a chegada de novos profissionais e a implementação do TecFut, sob a liderança de Rauen, contratado para revitalizar o setor com um investimento significativo. Apesar de sua reputação entre atletas, a sua inclusão na equipe profissional gerou mal-estar, já que ele não foi devidamente apresentado aos demais membros do departamento médico e apenas comparecia ao centro de treinamento uma vez por semana. Essas falhas de comunicação culminaram na prescrição do Mounjaro sem o conhecimento da equipe fixa do clube.
Embora especialistas considerem o uso do Mounjaro controverso para atletas de alto desempenho, Rauen contestou a ideia de que sua abordagem seria uma causa para as lesões, enfatizando que os problemas físicos já estavam presentes antes da sua chegada ao clube. Contudo, a diretoria fez um diagnóstico oposto, vendo em Rauen uma solução para a crise existente, levando à demissão de vários funcionários com longa trajetória no São Paulo.
A nova gestão do departamento médico do São Paulo se comprometeu a dar mais autonomia a Rauen, além de explorar novas metodologias. As medidas de mudança foram necessárias, tendo em vista que o clube lidava com questões sérias de carga de treinamento, sendo necessário um alinhamento entre os profissionais para garantir resultados eficazes. O projeto inclui a criação de um ambulatório de medicina regenerativa, esperado para 2026, e demonstra um esforço contínuo para modernizar e integrar o setor de saúde do clube.
Além disso, o São Paulo buscou apoio externo com a contratação de Moisés Cohen, um referência nacional em ortopedia, que tem colaborado em casos específicos de reabilitação, principalmente aqueles mais complexos. Apesar da instabilidade interna, a presença de Cohen serve de contraponto técnico e revela a fragilidade do próprio departamento médico do clube.
Desde 2021, quando Julio Casares assumiu a presidência do São Paulo, promessas de reformulação no departamento médico têm sido uma constante. A criação de um conselho composto por notáveis da área médica visava a modernização, mas os atritos e a falta de comunicação levaram à sua desintegração. Com a renúncia desse conselho, o clube procurou trilhar novos caminhos, mas o setor médico ainda enfrenta uma turbulência que impacta diretamente o desempenho coletivo em campo. A crise atual, que já durava anos, se manifestou de forma alarmante em 2025, expondo não apenas as fragilidades técnicas, mas também a necessidade urgente de unificação dentro do departamento médico do São Paulo.