publicidade

Sobre Diego Lugano, a gordura das vacas e o Raça Negra

por Pedro De Luna

Corria o ano escolar de 1994. Eu era apenas um fedelho começando a me apaixonar por futebol numa década em que o pagode ternura explodia nas rádios brasileiras. Desde que me entendia por gente - e isso tinha uns dois verões, no máximo - já era são paulino roxo, apesar do pai santista. Eu gostava de ver as piruetas de Muller e Cafu comemorando os gols e, no recreio do colégio, quando pegava no gol imitava o Zetti abrindo os braços ao máximo da envergadura, como uma águia, antes de defender pênaltis, sempre usando a calça para dentro da meia, igual a ele. É bem verdade que nunca consegui defender nenhuma cobrança, mas isso é irrelevante.

Nutria grande simpatia pelos apelidos simples e quase monossilábicos dos nossos ícones do período: Raí, Telê, Cafu, Zetti... Isso sem falar dos diminutivos e aumentativos, como Ronaldão (ave!), Palhinha, Juninho e Dinho. Para ser bem sincero, achava legal até mesmo o fato de termos na comissão técnica dois caras com nomes quase idênticos: Moraci e Muricy. Éramos uma grande família, repleta de personagens carismáticos e populares, sobre os quais eu sabia muito pouco, mas imaginava bastante.

O ano de 1994 marcou o começo da década de vacas magras no clube (que duraria até 2004), enquanto ironicamente o dinheiro das gordas vacas leiteiras italianas abundava em um rival que voltava a bater no peito para se dizer grande, do outro lado do muro do CT da Barra Funda. O Tricolor sofreu uma histórica decepção com a perda do tri da Libertadores para o Vélez Sarsfield de Carlos Bianchi e Chilavert, em pleno Morumbi abarrotado. Eu, com apenas 6 anos de idade, me limitei a lamentar, sem ter a dimensão real da tragédia e da longa má fase que ali se iniciava.

Emagrecem as vacas

O Mestre Telê adoeceu, aqueles ídolos pouco a pouco foram saindo e uma geração repleta de jovens desacreditados surgiu, sem ganhar muita trela de uma torcida mal acostumada, como bem destacaria o Ara Ketu. Edmílson, Bordon, Belletti, Fabio Simplicio, Julio Baptista, Fabio Aurélio, Edu... Foram muitos os que saíram discretamente do São Paulo e seguiram carreira sólida nos gramados europeus, onde foram mais valorizados. Tivemos nesta "década maldita" alguns grandes ídolos surgindo, como Rogério Ceni, Kaká, Luis Fabiano e França, além de excepcionais fases de ótimos atletas como Vagner, Denílson, Dodô, Aristizábal, Reinaldo, Marcelinho 100% Paraíba e o imparável Serginho. Vimos também o inesquecível retorno de Raí, o Terror do Morumbi, em grande estilo, descendo do avião para - como de praxe em sua carreira - massacrar o poderoso Corinthians de Rincón, Vampeta, Gamarra, Marcelinho e Luxemburgo na final de 98.

Mas acima de tudo, vimos um padrão se desenhar entre 1994 e 2003: o São Paulo formava equipes ofensivas, técnicas, leves, envolventes, de futebol plasticamente belíssimo (não raro, tínhamos o melhor ataque e o artilheiro das competições), mas que fraquejavam na hora H. Tentávamos repetir a receita da arte de Telê, mas o chef da nossa cozinha simplesmente não estava mais lá. Isso não aconteceu uma, duas ou três vezes, mas algumas dezenas. Seja por detalhes ou azar, tudo o que conseguimos trazer de troféus no período foram 2 Paulistões e 1 Rio-São Paulo, enquanto Corinthians e Palmeiras, com suas parcerias milionárias, faziam a festa e disputavam nas cabeças quase todos os títulos. Os recreios no colégio já não eram mais tão tranquilos.



Dormir não era exatamente uma tarefa fácil para quem cresceu assistindo nomes extremamente esforçados - mas só - como Sorley, Pedro Luis, Picón, Jean, Álvaro, Julio Santos, Ameli, Régis, Wilson, Paulão e Reginaldo Cachorrão protegendo sua defesa. Tivemos o tetracampeão Marcio Santos, que chegou com pompa e, se não chegou a ser um fracasso, passou longe de encantar. Tivemos o paraguaio Celso Ayala, que chegou do River como "o melhor cabeceador do mundo" e nos deixou menos de 10 partidas depois. Tivemos Emerson, vindo como a salvação da lavoura, da Portuguesa, que ficou eternizado pelo drible da vaca que levou do lendário ponta-esquerda Gil (aquele que Citadini jurava ser melhor que Kaká), em 2002. Tivemos muita coisa, muita dor, muitas feridas e criamos uma certa casca vendo uma equipe sem brio, conformada com a rotina de perder clássicos, duelos internacionais e decisões. Lá pelos meus 15 anos, eu confesso que cheguei a pensar que isso fosse algo normal. Eu era um retrato do meu time do coração: resignado com o insucesso.

Engordam as vacas

E então, em abril de 2003, Ele chegou: um ilustre desconhecido vindo do Nacional de Montevidéu em um acordo costurado pelo finado presidente Marcelo Portugal Gouvêa e o empresário uruguaio Juan Figer, figura conhecida nos bastidores do Morumbi. Estou falando de um jovem e obscuro Diego Lugano, que, sob enorme desconfiança, recebeu aos 22 anos a pejorativa alcunha de "o zagueiro do presidente", já que não havia sido um pedido do então treinador Oswaldo de Oliveira, que Lhe considerava um pária no elenco. Segundo conta o livro Tricolor Celeste, do jornalista Luis Augusto Simon, o Menon, na apresentação, após vestir o manto pela primeira vez, algum fotógrafo pediu:

- Dá um sorriso, Lugano, mostra que está contente.

O uruguaio surpreendeu e Sua resposta deixou os repórteres desconcertados:

- Não vejo motivo nenhum para sorrir sem razão. Vim aqui para vencer e vou dar risada quando estiver comemorando algum título.

É claro que não sabíamos, mas estávamos diante de um personagem que seria decisivo na mudança de rumos da história do São Paulo. O clube que havia 9 anos não disputava uma Libertadores estava prestes a voltar a viver uma era gloriosa, muito graças ao obstinado novato, que descreveu no livro o ato de sua contratação: "O Portugal Gouvêa veio a Montevidéu conversar comigo. Falou sobre o São Paulo e eu aceitei o desafio. Depois, ele me contou que a contratação foi feita não pelos vídeos, mas pela firmeza com que eu falei com ele, pelo modo entusiasmado que disse sim".



Pouco a pouco, Ele cavou seu lugar no time e conquistou a fé das antes ressabiadas arquibancadas do Sacrossanto. Poucos são paulinos costumam se lembrar com carinho da temporada de 2003, mas foi aquela limitada equipe que nos conduziu de volta à Libertadores depois de tanto tempo. Nomes como Rogerio e Luis Fabiano foram obviamente fundamentais em todos os aspectos, mas ouso dizer que a diferença mais tangível entre o antes e o depois atendia mesmo pelo nome de Diego Alfredo Lugano Moreno.

O DNA futebolístico que eu conhecia do São Paulo, de equipes primordialmente técnicas e ofensivas, foi redesenhado. Ganhamos uma necessária injeção de pragmatismo e um entendimento sobre nossas limitações. Acima de tudo, passamos a ter um porta-voz da torcida dentro das quatro linhas, que era também a personificação de uma espécie de sentimento "Yes we can" são paulino, muito antes dos marqueteiros de Obama cunharem a expressão. Que torcedor em sã consciência tinha coragem de vaiar um time com um elemento aglutinador como Lugano? N'Ele, botávamos fé. Se fosse para perder, que fosse daquele jeito brioso, vendendo caro as derrotas e honrando cada fiapo da camisa.

Assim, moldou-se outro São Paulo, mais combativo, valente, cascudo, unido e perseverante. Um time confiante, com a sensação de que remávamos todos para o mesmo lado. A torcida se sentiu representada e entrou em lua-de-mel com a equipe, que ganhou novos ícones, adeptos dessa mesma sintonia, como Cicinho, Fabão, Josué, Mineiro, Grafite, Danilo, Leandro, Souza e Aloísio. Notem que todos, a exemplo do zagueiro uruguaio, buscavam um lugar ao sol no futebol, não eram ídolos consagrados quando chegaram ao clube. O resultado não poderia ser outro: uma sala de troféus recheada e um sentimento de gratidão mútua e eterna, mesmo após Sua venda para o Fenerbahçe na metade de 2006.



Após 9 anos e meio, o bom filho à casa tornou. Em janeiro de 2016, Lugano foi recebido por uma multidão no aeroporto de Guarulhos, cheia de dois sentimentos que Ele, como todos os muitos ídolos uruguaios da nossa história, nos ensinou muito bem: ilusión y ganas. O primeiro nada tem a ver com ilusão, no sentido propagado pelos formidáveis pagodes ternura do Raça Negra dos anos 90 ("você jogou fora a minha ilusão, a louca paixão, é tarde demais"). Trata-se de outra coisa: de expectativa e sonho. E "ganas" são mais do que do que o plural de um famoso país africano: trata-se de superar suas próprias limitações e ir atrás do que se quer.

Vejo Sua trajetória no clube como a metáfora perfeita da minha própria relação com o clube (e provavelmente da maioria dos tricolores nascidos no fim dos anos 80): moldado pelas adversidades. Quando lembro de Lugano treinando separado do grupo em 2003 e encerrando Sua primeira passagem como um deus flamejante em 2006, não tenho dúvidas de que foram as dificuldades e até a humilhação que moldaram Seu caráter. Da mesma forma, ao me recordar dos 10 anos que passei vendo rivais comemorarem e nosso time vendo navios, percebo que soube me preparar para desfrutar de cada segundo da era vencedora que viria entre 2005/08.

O São Paulo está há anos adormecido, anestesiado pelo nocivo sentimento Soberano, cultivado (institucionalmente, inclusive) justo neste período de fartura. Dorme sem sonhar com nada e não acorda para a vida nunca. Se em 2003 era "o jogador do presidente", Don Diego passou a ser "o jogador da torcida" em 2016. A temporada é ruim, o time é mediano, os cofres andam meio vazios, o ambiente político é perigoso e já não tenho a impressão de que todos no clube remam para o mesmo lado, mas com Ele por perto, como dizia o Raça Negra, nunca é tarde demais.

Hoje, Lugano completa 36 anos. Esta é a humilde homenagem do blog a um dos mais míticos e dignos personagens da história são paulina. Obrigado por nos (re)ensinar a sonhar e por representar cada um de nós dentro da cancha, Diego. Feliz cumple, Diós!

VEJA TAMBÉM
- Calleri elogia elenco do São Paulo por adotar filosofia de Zubeldía
- Tricolor escalado para o jogo contra o Barcelona-EQU
- Veja a provável escalação do Tricolor para o jogo de hoje


Receba em primeira mão as notícias do Tricolor, entre no nosso canal do Whatsapp


Avalie esta notícia: 50 2

Comentários (35)

Enviar Comentário

Para enviar comentários, você precisa estar cadastrado e logado no nosso site. Para se cadastrar, clique Aqui. Para fazer login, clique Aqui.
  • publicidade
  • publicidade
  • + Comentadas Fórum

  • publicidade
  • Fórum

  • Próximo jogo - Libertadores

    Qui - 21:00 - Monumental Banco Pichincha -
    Barcelona SC
    Barcelona SC
    São Paulo
    São Paulo

    Último jogo - Brasileiro

    Dom - 18:30 - Antônio Accioly
    https://media.api-sports.io/football/teams/144.png
    Atletico Goianiense
    0 3
    X
    São Paulo
    São Paulo
    Calendário Completo
  • publicidade
  • + Lidas

  • publicidade