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O jogador mais macho do Brasil

Vaias das arquibancadas, ofensas dos adversários, ameaças de morte. Nenhum atleta brasileiro joga sob tanta pressão quanto Richarlyson

Para quem assistiu pela TV à estreia do São Paulo na Libertadores, contra o Monterrey, tudo correu conforme o esperado. Aparentemente ansioso nos primeiros minutos, o time errou muitos passes, mas logo abriu o placar. Para quem estava no Morumbi, porém, os minutos iniciais foram marcados por uma guerra verbal nas arquibancadas. “Ei, Richarlyson, vai tomar no c…”, cantava a torcida Independente, principal organizada do São Paulo. “Independente, vá se f…, o meu São Paulo não precisa de você”, respondia parte dos torcedores, principalmente os da arquibancada azul. “Ei, azul, vai tomar no c…”, cantava a Independente. Nesse clima de “duelo”, o São Paulo deu o pontapé inicial no torneio sulamericano.

Desde os tempos de Kaká – a quem a torcida organizada chamava de pipoqueiro – o Morumbi não se dividia dessa maneira em relação a um jogador. Não foi a primeira vez que Richarlyson foi hostilizado pela torcida, mas a motivação dessa vez ficou evidente. Horas antes da partida, um vídeo em que o jogador faz um dueto ao lado da amiga e cantora Shirley Carvalho havia sido divulgado na internet. O vídeo foi mal recebido pela torcida são-paulina e, como se tornou praxe com tudo que se refere ao jogador, virou motivo de chacota entre as torcidas adversárias.

Sem jamais ter assumido e tendo inclusive negado ser homossexual por mais de uma vez, Richarlyson foi transformado em ícone gay em um esporte machista. No futebol, a sexualidade caminha em uma linha tênue entre o tabu e a obsessão – basta notar o teor dos xingamentos que torcidas costumam dirigir aos adversários.

Apesar de toda a pressão sofrida por Richarlyson, por fatores que só dizem respeito à sua vida pessoal, ele segue firme. Em janeiro deste ano, completou 200 jogos pelo São Paulo – apenas Rogério Ceni tem mais jogos que ele no time. Campeão mundial, tricampeão brasileiro, vencedor da Bola de Prata da PLACAR em 2007 e convocado para a seleção brasileira, Richarlyson pode não ser um craque, mas tem um currículo invejável. Em meio a tanta hostilidade, sobreviveu à reformulação do elenco e à troca de treinador. Justifica seu lugar no time com sua dedicação: tem o melhor preparo físico do elenco, mantém o condicionamento nas férias e aceita jogar em todas as posições – até contundido, se preciso.

As boas atuações em 2007 levaram Richarlyson à seleção brasileira em 2008

Antes do racha na torcida são-paulina, PLACAR já havia solicitado uma entrevista ao jogador. Após o ocorrido, porém, Richarlyson resolveu se calar. Em uma conversa na sala de imprensa do Centro de Treinamento do São Paulo, expôs seus motivos para não falar sobre o caso. Seu silêncio é uma tentativa de não dar mais motivos a seus críticos. Cansado de responder a perguntas sobre sua relação conturbada com a torcida, teme as reações negativas que suas respostas possam gerar. “Qualquer declaração que eu fizer pode reacender a polêmica com a torcida. Minha preocupação não é comigo, mas com minha família”, diz.

Embora não vete entrevistas do jogador, o São Paulo procura orientálo a pensar sempre no que é melhor para si mesmo. “Quando Richarlyson fala sobre esse assunto, o único que sai perdendo é ele. Sempre”, diz o assessor do clube, Juca Pacheco. Luciano Signorini, seu assessor pessoal, já havia alertado sobre o receio do jogador em relação a manchetes e fotos maldosas, com base em más experiências recentes.

Antes de chegar ao São Paulo, não se tem notícia de episódios semelhantes em sua carreira, seja em clubes no Brasil, seja no exterior. Entre 2003 e 2005, atuou pelo SV Salzburg, da Áustria. O jornalista Alexander Bischof, do jornal Salzburger Nachrichten, afirma que nunca houve controvérsias enquanto Richarlyson atuou por lá. “Conversei com jogadores e o presidente do clube, e eles ficaram surpresos com esse fato”, diz. O hondurenho Maynor Suazo (primo de David Suazo, da Internazionale-ITA), ex-companheiro de clube, também nega qualquer polêmica envolvendo o jogador. “Isso me deixa surpreso. Na Áustria, ele nunca foi criticado, nem vimos nele algo que o colocasse como homossexual”, diz.

Richarlyson recebe de César Sampaio a Bola de Prata, em 2007

PLACAR ouviu as duas principais torcidas organizadas do São Paulo. Marcelo Buzi, 33, ex-presidente e atual conselheiro da torcida Independente, não mede as palavras para falar do jogador. “Ele não assumiu, mas tá na cara que ele é. Tem trejeitos afeminados, não representa o São Paulo. A presença dele no estádio causa constrangimento”, diz. “Além de ser veado, ele é ruim. Quem acompanha os jogos do São Paulo sabe que ele erra todos os passes.” A Dragões da Real, segunda maior organizada Tricolor, corrobora a posição, ainda que de forma mais branda. “Ele tomou uma posição prejudicial à própria carreira. Infelizmente a torcida do São Paulo tem um estigma. As pessoas brincam com sexualidade, e muita gente se sentiu ofendida com isso.”

O preconceito velado a Richarlyson se acentuou após o imbróglio com o dirigente do Palmeiras José Cyrillo, que em 2007 deu a entender em um programa de TV que o jogador seria homossexual. Richarlyson entrou com uma queixa-crime contra Cyrillo, que resultou em uma sentença desastrosa do juiz Manoel Maximiano Junqueira Filho, da 9ª Vara Criminal Central de São Paulo – entre outras barbaridades, o juiz afirmava que “futebol é viril, varonil, não homossexual”.

Outro episódio recente ocorreu no retorno das férias deste ano, quando o jogador apareceu com apliques no cabelo. Richarlyson recebeu ameaças e cortou os cabelos. Fosse outro jogador do São Paulo, a torcida teria causado algum problema? “Não. O Leandro [hoje no Grêmio] fez aplique também. Ficou afeminado? Não. O Kléber, do Inter, e o Vágner Love também usam trancinhas. Fica afeminado? Não. Mas o Richarlyson não dá”, diz Buzi.

A sede da torcida Independente está no primeiro andar da Galeria Presidente, centro de compras no centro de São Paulo. Sobre a entrada da sala, há uma placa com o desenho de um São Paulo que de santo não tem nada: braços musculosos, punhos cerrados, olhos vermelhos e uma expressão ameaçadora de botar medo no próprio diabo. Logo abaixo, está grafado o lema da torcida, que já deve passar despercebido por quem passa todos os dias por aquela porta: “O respeito que impomos define o que somos”.

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