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Zé Sérgio,um furacão! Por Dr.Catta-Preta

Zé Sérgio, Um furacão.

Esquadrinhando novas e velhas antologias tricolores, como faço cotidianamente, descobri que há vários jogadores injustiçados pela nossa ainda pobre literatura.

Quero tirar um nome das brumas cinzentas do esquecimento. Quem viu jogar esse personagem da bola viu e se deleitou profundamente, quem não viu perdeu. Ah, como perdeu!

Em 1957 o São Paulo ganhava um título histórico, o então charmoso Campeonato Paulista. Aquele ano foi um ano tricolor, um ano de Canhoteiro, um ano de Gino, um ano de Dino Sani e, sobretudo, um ano de Zizinho, o “mestre Ziza”.

Pois foi nesse santo ano de 1957, ano de glória do Bem Amado, que nasceu, em São Paulo, na Capital paulista, o menino José Sérgio Presti.

O Zé da família Presti veio à luz enquanto o primo Roberto já começava a dar os primeiros passos no mundo da bola, o primo Roberto ia ser craque, ia por a torcida a seus pés. Zé Sérgio cresceu vendo o primo deslumbrar o Brasil, logo Roberto passou a ser chamado pelo sobrenome: Rivellino.

Rivellino começou criança no futebol de salão, no EC. Pinheiros, foi lá que “Riva” aprendeu a dar seus dribles curtos, seus humilhantes elásticos, foi lá que aprendeu a soltar bombas com seu inigualável pé esquerdo que assombraria mais tarde os goleiros do mundo inteiro.

Zé Sérgio admirava o ilustre primo e, criança atenta, queria igualá-lo. É assim a vida, os bons exemplos na família são, para os mais jovens, como um lume na escuridão.Zé Sérgio não teve uma infância pobre como a maioria dos jogadores de futebol, Zé Sérgio convivia com uma família de classe média alta, estudava, os pais queriam que ele fosse médico, engenheiro, economista, advogado, mas ele resolveu que também seria craque da bola.

Foi procurar o São Paulo FC, foi ali que começou a sua história de glória, menininho.Cedo se percebeu que se tratava de um atleta absolutamente diferenciado. Zé Sérgio corria, corria, corria como ninguém, ninguém o alcançava quando ele soltava seu impulso inato para a frente, com uma gana que parecia que o alvo de sua corrida era a um tesouro precioso, um tesouro que brilhava como diamante.

O tesouro por Zé Sérgio colimado estava no fundo do campo de futebol. Ele saía do meio-campo e voava até a linha de fundo, como se fosse um pássaro, seus pés tinham asas!A fama de Zé Sérgio, tal qual a sua rapidez, começou a se espalhar. Havia um menino no São Paulo cuja velocidade iria transformar o lado esquerdo do retangular gramado do jogo da bola. O menino era ele mesmo, Zé Sérgio, o primo do Rivellino.

Em 1.976, Zé Sérgio tinha 19 anos. O São Paulo resolveu apresentar sua pérola ao mundo. Zé Sérgio entrou no time e, claro, nunca mais saiu. Era tempo de pontas, eram, na história, derradeiros esses tempos de pontas. Ele era ponta-esquerda. Mas Zé Sérgio, o primo do Rivellino, era um ponta-esquerda totalmente diferente.O Brasil estava acostumado com pontas insolentes, os pontas eram palhaços, driblavam, driblavam, iam à frente e voltavam com a bola nos pés, queriam dar espetáculo, a arte do drible inebriava e ainda inebria a torcida.

Zé Sérgio não era insolente como os pontas que a gente via, Zé Sérgio nem parecia um ponta; os pontas eram quase todos pequenininhos, Zé Sérgio era um menino de estatura média, tinha um porte meio atlético e uma saúde de fazer inveja. Acho que Zé Sérgio reinventou a profissão de ponta no futebol. Zé Sérgio, um achado, era o primeiro sinal da transformação pela qual o futebol iria passar até chegar aos nossos dias.

Todo o ponta-direita naquela época era destro, fazia tudo com o pé direito, seus dribles eram direcionados para o lado direito, assim ele chegava à linha de fundo. O ponta-esquerda, por sua vez, era canhoto, agia da mesma forma que o ponta-direita e driblava para o lado esquerdo até chegar ao fundo para cruzar a bola para a área.Zé Sérgio, o parrudo menino, o primo do Rivellino, nada tinha a ver com essas convenções enraizadas da bola.

A maior diferença que o futebol de Zé Sérgio tinha em relação aos demais pontas que jogavam pela esquerda era a seguinte: Zé Sérgio era destro, enquanto todos os outros pontas-esquerdas eram canhotos!Sim, o menino era destro, saía como um bólido com a bola nos pés desde a intermediária e quando se via próximo à grande área ninguém sabia o que iria fazer pois ou prosseguia até a linha de fundo ou, de repente, dava um breque e, com o pé direito entortava o lateral para dentro, colhia-o no contra-pé, (os laterais-direitos só usavam o pé direito) e fazia a multidão ir ao delírio!

A torcida do São Paulo e todas as torcidas foram logo percebendo do que se tratava.Tratava-se de um gênio, de um arauto dos novos tempos!Ninguém parava Zé Sérgio. Zé Sérgio era um frenesi com a bola, era um furacão, um possuído, os laterais tremiam, ninguém conseguia sequer dar pontapés naquele flash, Zé Sérgio era uma ventania que fazia os estádios balançar.Desde a estreia, em certo amistoso, quando em 1976 substituiu Serginho, que então também era ponta-esquerda, Zé Sérgio brilhou intensamente no Tricolor.

Ainda me lembro, eu ia ao Morumbi para ver Zé Sérgio. Era uma alegria. Quando Zé Sérgio arrancava, com sua velocidade frenética, quem se atrevesse a tirar os olhos do gramado e olhasse para as arquibancadas do Morumbi veria um espetáculo deslumbrante, o povo inteiro de pé, a sorrir, acompanhando a ação do craque como se estivesse acompanhando a arrancada de um virtuose do velocismo, como se estivesse vendo a arrancada de um Ben Johnson...

Em 1977, menos de um ano depois de seu aparecimento, Zé Sérgio, já não era mais “o primo do Rivellino”. Não. Zé Sérgio tinha brilho próprio, as pessoas perguntavam, o Rivellino é primo do Zé Sérgio?A carreira desse astro foi meteórica como suas arrancadas em busca da linha de fundo. Zé Sérgio foi campeão brasileiro na épica batalha do Mineirão contra o Atlético, Zé Sérgio passou a ser o ídolo maior do Tricolor do Morumbi, ao lado de Serginho, o anjo demônio.

A torcida brasileira, encantada e, em uníssono, exigiu que Zé Sérgio fosse convocado para a copa de 1978, na Argentina. Assim foi feito, convocaram-no, mas não o puseram em campo, quase nem no banco ficou. São engraçados os “professores da bola”, se os alunos os ofuscam, eles os segregam, temem parar de brilhar. Com Zé Sérgio em campo o Brasil não teria sido apenas “campeão moral” na Argentina...Zé Sérgio, de quem Rivellino era primo, não esmoreceu, continuou brilhando intensamente.

Uma certa tarde, talvez em 1979, no palco santificado do Morumbi, vi Zé Sérgio em determinado jogo arrancar pela esquerda, desde a intermediária, com a bola presa ao pé direito. Eu estava na arquibancada, sempre foi da arquibancada que vi as maiores façanhas tricolores. Zé Sérgio, o furacão, voava com a pelota submissa e num piscar de olhos chegou, em segundos, ao bico da área; era um contra-ataque do São Paulo, o adversário era a então fortíssima Ponte Preta.

O lateral que o marcava já havia ficado para trás havia muito tempo e então naquele momento vi o astro defrontar-se cara a cara com Oscar, o grande Oscar, capitão da Ponte que depois brilharia intensamente no Clube da Fé.Oscar, com seu carisma, parou na frente daquela ventania como se quisesse hipnotizar o ponteiro mas Zé Sérgio deu-lhe um drible estonteante, seco, para dentro, Oscar ficou inerte, o menino entrou na área soberano, foi até o goleiro Carlos que saía desesperado e recuou a bola, docemente, suavemente, a Serginho que, entrando pelo miolo da área, enfiou uma bomba para fazer o gol da vitória.

O Morumbi inteiro aplaudiu, de pé, a jogada daquele menino que era a personificação da velocidade do vento.Não vi, juro que não vi, ponta igual a Zé Sergio. Canhoteiro é lenda. Uma vez perguntei ao maior artilheiro da história do São Paulo, Serginho, quem teria sido o maior ponta que jogara com ele. Serginho não pestanejou, respondeu imediatamente: Zé Sérgio!

No início dos anos 80 ouso dizer que Zé Sérgio, ao lado de Zico, era a maior estrela do futebol tupiniquim. Ninguém parava o ímpeto de Zé Sérgio, Zé Sérgio transformara-se em um bólido, um moto contínuo, o ataque do Bem Amado, uma máquina de jogar bola, tinha Paulo Cesar, Renato, Serginho e ele, o furacão, Zé Sérgio. Nada continha aquele ataque fantástico que fez 4 no Palmeiras e 4 no Corinthians em apenas 5 dias. 4 x 0, nos dois rivais.Naquela quadra da história da humanidade, num jogo contra a Alemanha pela seleção brasileira, Zé Sérgio arrebentou com o lateral alemão que o marcava.

Só Garrincha fez com um lateral o que Zé Sérgio fez contra aquele gringo, mas Zé Sérgio fez o que fez de forma diferente, com objetividade, buscando o gol, aliando força e técnica. Lembro-me de que, naquela tarde, quem narrava o jogo pela TV disse que Zé Sérgio era o maior jogador do mundo!Zé Sérgio iria suplantar o primo em genialidade? Talvez. Tudo levava a crer que Zé Sérgio, na copa de 1982 entraria de vez na galeria dos craques imortais.Nesse ponto lembro-me do mestre e filosofo Michel de Montaigne. Disse Montaigne que ninguém pode considerar perfeita a passagem de alguém pela vida senão depois de examinar seu último ato, senão depois de sua morte.

É verdade.

A vida não quis que aquele menino se tornasse um jogador que aparece de 1.000 em 1.000 anos.Apanhado em um exame antidoping, Zé Sérgio, assim como o voador Ben Johnson, teve um nocaute em sua carreira. Zé Sérgio ingerira um mero comprimido de Naldecon, daqueles que tomamos para dores de cabeça ou para a cura da gripe, mas a barulheira que fizeram derrubou o garoto.Zé Sérgio era tímido, introvertido, calado, sentiu o golpe, não soube se defender, sucumbiu psicologicamente.Foi uma tragédia. No maior momento daquele ser humano, daquele gênio, a carga da Imprensa, dos adversários, dos invejosos, dos rivais, funcionou como um antídoto para conter seu doce veneno, sua euforia com a bola nos pés, que só atrapalhava os inimigos.

Deu-se um vácuo longo e fatal na carreira da estrela. Na volta, Zé Sérgio começou a se machucar, os deuses da bola, sabe-se lá por que, haviam brigado com ele. Os deuses têm inveja dos mortais que a eles se ombreiam.Retornando com uma ansiedade de quem retornasse à vida depois de morto, Zé Sérgio passou a se contundir com regularidade fatalística. Quebrou a perna, voltou depois de outra espera angustiante, quebrou o braço, nada dava mais certo, estava escrito, os laterais não parariam Zé Sérgio, ninguém pararia Zé Sérgio; quem o pararia seria o destino.

As parcas, pérfidas deusas gregas que Homero descreveu, tecem os caminhos.A vida é engraçada. Muito engraçada. A torcida então, ah, a torcida esquece...Zé Sérgio foi sendo minimizado, já não se falava mais em seu ímpeto, em sua volúpia, em sua incomparável velocidade, jamais se veria em um campo de futebol um jogador tão veloz, um jogador com uma arrancada tão impressionante e decidida com a bola sob controle.O ponta-esquerda destro, o moto contínuo, o furacão, avis rara do futebol, passou, de gênio a moeda de troca.

Zé Sérgio não foi à copa de 1982, achavam que ele havia acabado, o próprio São Paulo o menosprezou, o cedeu para o Santos, ele foi embora do Morumbi, palco sacrossanto que o havia anunciado ao mundo.Ganhou o título de 1984 pelo peixe, ao lado de Serginho, mas já não era mais candidato ao patamar dos inesquecíveis, nunca mais jogaria uma copa do mundo.Depois foi para o Japão. Mesmo sem o brilho que o fizera ser uma das mais caras esperanças da torcida brasileira deve ter aberto os olhos de muitos e muitos torcedores japoneses.

Zé Sérgio, de quem Rivellino foi primo, jogou muito.No São Paulo daqueles tempos, era Zé Sérgio e mais dez. Zé Sérgio foi um consagrador de atacantes, para ele, deixar um atacante na cara do gol era como trocar de canal com o controle manual da TV.Nos dias de hoje, em que o futebol é força, é velocidade, Zé Sérgio iria arrasar, oh deuses da bola, será que ainda teremos outro Zé Sérgio?

Acho que não. Zé Sérgio foi um prodígio da bola, produção única, de um tempo que não voltará, jamais.Obrigado Zé Sérgio, você é um imortal.

Ave, Zé Sérgio.

Paz, meus iguais.

Antonio Carlos Sandoval Catta-Preta é advogado e são-paulino.

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