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Em três meses, Ricardo Gomes espanta fantasmas e põe São Paulo na briga por troféu

O técnico Ricardo Gomes chegou ao São Paulo em meio a um clima de incerteza. Afinal, a demissão de Muricy Ramalho, mesmo depois da eliminação da Libertadores, pegou grande parte dos tricolores de surpresa, e o anúncio da contratação do ex-zagueiro não serviu para acomodar a torcida, já que os últimos trabalhos dele no Brasil eram passagens rápidas por Fluminense e Flamengo, e eliminação com a seleção no Pré-olímpico de 2004.

No entanto, de volta ao país após quatro anos na França, Gomes conquistou a confiança da diretoria e da torcida, enquanto espantou alguns fantasmas que assombraram sua carreira de treinador, como os problemas que enfrentou gerenciando crises após os atritos com Romário e Edmundo nas Laranjeiras, e com Dimba na Gávea.

Nesta entrevista exclusiva à Gazeta Esportiva.Net, Gomes explicou como tirou o São Paulo da parte de baixo da tabela e o recolocou na briga pelo título -atualmente está empatado com o Palmeiras na liderança com um jogo a menos-, além de revelar os bastidores conturbados de seus trabalhos na dupla Fla-Flu, que o fizeram minimizar a disputa entre Dagoberto, Borges e Washington. "Não dá nem para comparar ", garante.

Apreciador de vinhos, bem articulado e querido por membros da diretoria do São Paulo que não suportavam mais Muricy Ramalho, o treinador se recusa a admitir que seu trabalho no Morumbi vem mudando sua imagem no Brasil: "Isso não existe, é história". Nesta quinta-feira, Gomes completará três meses desde sua apresentação no CT da Barra Funda e contou os detalhes da trajetória.

Gazeta Esportiva.Net - Quando você assumiu, o São Paulo estava em 16º lugar. Hoje, já briga pelo título. O que aconteceu nesta arrancada de três meses?
Ricardo Gomes - Eu cheguei e encontrei um time descontente com a colocação e com o futebol. Eles estavam acostumados a vitórias e conquistas. Priorizaram a Libertadores e não deu certo. Por isso, estavam tristes. Mas o mais importante é que o grupo estava com vontade de trabalhar e de mudar a situação. Não adiantaria chegar um treinador aqui com novas ideias se o grupo não estivesse receptivo, seria perda de tempo e não aconteceria nada. Tenho de tirar o chapéu para elenco do São Paulo, que tem a capacidade de sempre se colocar em questionamento, porque cada ano que passa fica mais difícil. Na minha chegada, os próprios jogadores me disseram que o tri foi muito difícil e que eles mesmos não acreditavam em um determinado momento. Mas, com muita raça e energia, eles conseguiram. Estão se aplicando da mesma forma este ano. A diferença nesta temporada é que o Muricy saiu e eu cheguei. Mas o fundamental é o foco direcionado para o quarto título.

GE.Net - E qual a responsabilidade do seu trabalho nisso?
RG - Eu mudei um pouco a forma de o time jogar. Eles aceitaram e hoje estão confortáveis nesta maneira de atuar, mesmo precisando evoluir muito ainda. Os jogadores cresceram tecnicamente também. Estou falando em relação ao passado recente, que é 2009. Porque eu vi o São Paulo jogar em 2007 e era muita bola. Voltou a jogar agora. Futebol é assim. Com o mesmo trabalho, pode dar certo uma vez e em outra nem tanto. Faz parte.

GE.Net - Na sua apresentação, você disse que poderia conversar alguma coisa com o Muricy Ramalho sobre o grupo. Chegou a pegar dicas com ele ou a ida para o Palmeiras atrapalhou?
RG - Ele me deixou aqui o Carlinhos Neves (preparador físico) e o Milton Cruz (auxiliar). Eu não conhecia o Milton pessoalmente, mas nós trocávamos muitas informações sobre os jogadores que ele se interessava da Europa, e os que me interessavam no Brasil. Eu já tinha mais de cem horas de telefone com o Milton, além de já ter trabalhado com o Carlinhos (na seleção Sub-23). Como eles ficaram tanto tempo com o Muricy, a transição foi feita naturalmente. E muita coisa do Muricy está sendo aproveitada agora no dia a dia. Não cheguei a conversar particularmente com o Muricy, mesmo porque ele estava querendo um descanso. E ficar muito tempo sem clube seria também impossível para ele. (risos)

GE.Net - Quando chegou ao São Paulo, você se deparou com a forte disputa entre Washington, Borges e Dagoberto. Em 2004, você teve passagem pelo Fluminense, mas saiu depois de problemas com Romário e Edmundo. No mesmo ano, comandou o Flamengo, mas saiu por atritos com o Dimba. O que viveu nos outros clubes o ajuda a lidar com a situação aqui?
RG - Não dá nem para comparar. No Fluminense, contrataram Ramon, Roger, Edmundo e Romário. É uma incoerência, mas os jogadores não eram culpados. Quando contratam estes quatro jogadores para atuarem juntos, com a idade que já tinham, vira uma coisa que você não acredita. Você custa a crer que isso seja verdade, mas, como contrataram, alguém tinha de administrar. Existia uma incompatibilidade até física, não tinha como escalar os quatro. Ao mesmo tempo, o Romário não estava acostumado com a reserva, e o Edmundo menos, nem o Ramon... Além disso, o time tinha que andar, e minha responsabilidade por resultados era a mesma que tenho hoje no São Paulo. Para completar, estavam subindo da base Diego Souza, Arouca e uma garotada que o Fluminense investiu horrores para formar. Tive que afastar um ou outro, e claro que o ambiente foi se deteriorando. Quando o clube não é forte, qualquer decisão do treinador fica mais difícil. É diferente quando o clube é forte. No São Paulo, por exemplo, o jogador está limitado com suas reclamações. Eu não acho que o jogador tenha que ficar satisfeito por não jogar, mas é preciso haver o respeito por treinador, companheiros e instituição. Já quando o jogador não tem respeito pela instituição, também não vai ter por companheiros e nem por treinador. Isto é claro. Ou seja, o Fluminense estava em algo inexplicável, não tinha como acontecer. Era uma coisa generalizada, e não individual de um ou outro jogador. E parece que ainda não conseguiram resolver lá.

GE.Net - E o que aconteceu no Flamengo?
RG - Eu cheguei em uma situação assim também. Um dia, na época em que estávamos ganhando e saindo da zona de rebaixamento, acabou o treino e eu fui dar a entrevista coletiva. Como teríamos concentração para um jogo contra o Corinthians, voltei para o vestiário e perguntei onde estavam os jogadores. Mas me responderam que eles estavam em greve. Eu nem tinha conhecimento da situação quando fui para a coletiva. Perguntei o que estava acontecendo, e me falaram que eram cinco meses de salários atrasados. Quer dizer, qualquer decisão dura que você é obrigado a tomar vai ser mais uma neste processo. Em outra vez, cheguei a um volante e perguntei por que tinha faltado no dia anterior: "Robson, o que houve ontem?". Ele me explicou que o rapaz com quem ele pegava carona de moto teve de sair mais cedo para o trabalho. Isso aconteceu no Flamengo, com todas as responsabilidades. Sem contar o perigo da moto. Claro que fica muito mais difícil conseguir resultado em uma situação assim. Aqui, no São Paulo, tenho quatro zagueiros que brigam por três vagas. No ataque, também tem concorrência, mas a estrutura do clube funciona e eu só tenho que me preocupar com o time, pois as tarefas são divididas e tudo funciona. Eu sei que quando voltar aos vestiários os jogadores não estarão em greve antes de uma partida contra o Corinthians. Já quando você tira um jogador que está com cinco meses de salários atrasados, quem paga o pato é o treinador. Nós empatamos o jogo equilibradíssimo contra o Corinthians (por 0 a 0) e a culpa foi para o treinador. São coisas que, se eu contar para alguém, ninguém vai acreditar. E Fluminense e Flamengo são grandes clubes, mas passam por momentos complicados.

GE.Net - Pouco depois, você saiu do Brasil. Para a torcida, não fica a imagem de que tinha jogadores em greve, e sim que você não resolveu. E você já carregava o peso da seleção pré-olímpica. Por isso, quando voltou ao Brasil, você era uma incógnita. Em três meses, acha que sua imagem no país mudou pelo trabalho no São Paulo?
RG - Isso não existe, é história. Quando cheguei ao Bordeaux, era o 16º e terminou em segundo. No Brasil, as análises sobre os treinadores são muito superficiais. Há um leque de mídia muito grande. Nunca pensei nesse negócio de imagem. Eu quero é trabalhar bem e com honestidade. Ficar pensando na imagem é perda de tempo. O que é imagem hoje? A pessoa diz alguma coisa hoje e sai em 50 mil veículos de comunicação, é uma coisa nova para nós e também para os jornalistas. Se perguntarem sobre mim no Juventude, vão falar muito bem. Agora, se for no Rio, nem tanto. A imagem é muito superficial. Eu trabalho naturalmente e com honestidade.

GE.Net - Você chegou ao São Paulo após quatro anos na França. Sentiu muita diferença na forma de trabalhar quando voltou ao Brasil?
RG - Há bastante diferença no futebol e no estilo de trabalho, mas isso acontece também dentro do nosso país, pelas dimensões. Não é preciso atravessar o oceano para perceber. Mas o profissional do futebol tem um conhecimento muito grande, consegue morar na Europa e saber tudo o que acontece no Brasil. Você tem a facilidade de comunicação e informação, o que ajuda bastante.

GE.Net - Você acha que a importância dada à vida particular dos jogadores aqui no Brasil é uma grande diferença em relação à França?
RG- Na França, não há uma grande preocupação com a vida particular do jogador, mas na Inglaterra, por exemplo, já é o contrário. O jogador mal pode sair de casa, e na Itália também é assim. Na França, só acontece quando o jogador exagera ou cai muito de rendimento, porque as pessoas vão procurar o porquê. Só não há um pensamento premeditado para saber como ele vive, que é algo que acontece na Inglaterra ou na Itália.

GE.Net - E você acha que no Brasil o treinador precisa ser um pouco mais paternal?
RG - Acho que não. Nós temos um nível de profissionalismo hoje bastante elevado. E na Europa há casos e casos... Há países lá em que há coisas péssimas, enquanto em outros há maravilhas. Temos de tudo em todos os lugares do mundo. O que une tudo é a paixão, que não diferencia francês, português, alemão, brasileiro...

GE.Net - Você teve passagem pela seleção de base, mas pensa em assumir no futuro a equipe principal?
RG - Estou voltando ao Brasil e tenho só três meses de São Paulo. O Dunga vai fazer uma grande Copa do Mundo, e depois terá a Copa no Brasil, que pode ter Dunga, Felipão, Parreira... Meu negócio é SPFC. Quero ganhar tudo aqui. Depois, penso em ganhar tudo de novo, mas no Rio.

GE.Net - E como você está vendo o Maradona no comando da seleção argentina?
RG - Eu não sei se eles vão para a Copa, mas, se forem, todos vão precisar abrir os olhos, porque time que passa sufoco para classificar voa logo depois. O exemplo é o Brasil. Normalmente, o elenco que tem qualidade e passa por dificuldade, se fecha.

GE.Net - O que mudou em você durante o trabalho na França. Aproveitou o lado cultural francês, passou a tomar mais vinho?
RG - Eu aproveitava muito pouco, não fui para estudar ou passear, e sim trabalhar. Tomei gosto pelo vinho em Portugal. Em Bordeaux, fiquei mais próximo, mas só isso. Não sou um conhecedor, e sim um apreciador.

GE.Net - Até comenta-se que na França os jogadores têm vinho à disposição no refeitório do clube...
RG - Na época em que eu era jogador, há 30 anos, tínhamos direito a um copo de vinho no jantar. Agora, como treinador, não havia esta rotina. Claro que, se alguém nos presenteasse com uma bela garrafa, os jogadores pediam um copo, sem problema algum, mas sem rotina.

GE.Net - Pode implantar isso no São Paulo?
RG - Não faz parte da nossa rotina, deixa isso para lá (risos). Temos coisas aqui que eles adoram lá, como nossos sucos naturais. Meus amigos que vêm para cá falam muito disso, eles tomam todos. Mas nós vendemos muito mal nosso país, precisa ser explorado melhor. O pessoal que vem de fora fica impressionado com açaí, castanha... Nem todos têm ideia de tudo o que temos aqui.

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