As finanças do São Paulo — Foto: Infoesporte
Quando contratou Daniel Alves e o espanhol Juanfran em questão de poucos dias, em agosto de 2019, a direção de Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco, passou uma mensagem aos torcedores e ao mercado do futebol. O São Paulo, outrora soberano, estava vivíssimo. Tanto que podia reforçar o elenco com jogadores de renome mundial e competir de igual para igual com adversários muito mais badalados àquela altura.
Como pagar por essas e outras apostas arriscadas feitas pela diretoria são-paulina? Bem, planos de marketing seriam elaborados para atrair patrocinadores, o programa de associação dispararia em novas adesões, o Morumbi lotaria suas arquibancadas. Você conhece o discurso.
LEIA TAMBÉM: Sempre na mira! São Paulo monitora Miranda, Lucas e Calleri
Quase um ano depois, publicadas as demonstrações financeiras tricolores, os resultados referentes a 2019 são assustadores. O presidente Leco e seus principais diretores no futebol, Raí e Lugano, não ganharam títulos, nem elevaram receitas. Pior, endividaram e deixaram o São Paulo na sua pior situação financeira pelo menos desde 2003.
O São Paulo sempre pôde se orgulhar de ter estabilidade financeira. Nos anos 2000, a diferença entre faturamento (tudo o que arrecada) e endividamento (tudo o que deve) sempre esteve por volta de 0,5. Em outras palavras, as receitas sempre representaram o dobro das dívidas.
Em uma de suas piores crises de ordem financeira e moral, anos atrás, em 2014 e 2015, essa proporção virou para 1,2. Ou seja, agora eram as dívidas que correspondiam ao dobro de tudo o que era arrecadado.
Carlos Miguel Aidar renunciou sob acusações de corrupção, e Leco assumiu a função provisoriamente, depois por meio de eleição, com a promessa de colocar as coisas no lugar. Pois em 2019 essa relação entre receita e dívida chegou a 1,4. Melhor do que em muitos clubes no Brasil, sim, mas a pior já registrada pelo São Paulo nesse tempo todo.
A relação entre receitas e dívidas do São Paulo
Para entender o que deu errado na administração de Leco, começamos pelas receitas. Como o gráfico acima deixa evidente na linha vermelha, a arrecadação caiu consideravelmente nos últimos anos.
Os direitos de transmissão foram prejudicados pelo mau futebol em campo. A eliminação na fase preliminar da Libertadores impediu que o clube recebesse até as cotas da fase de grupos. Depois, ao ser derrotado nas oitavas de final da Copa do Brasil, também ficou longe das fartas premiações das fases seguintes.
As eliminações prejudicam muito porque, hoje, o futebol brasileiro está variável. As competições em mata-mata foram valorizadas em seus direitos de transmissão, então passaram a pagar maiores premiações – também por isso essas receitas são compreendidas como uma coisa só.
O fracasso esportivo aconteceu antes das contratações de Daniel Alves e Juanfran. Eles chegaram, então, e... nada. Nos patrocínios e nos licenciamentos, que compõem a receita com as áreas comercial e de marketing, o incremento nas receitas foi de R$ 1 milhão entre 2018 e 2019. Pouquíssimo. Patrocinadores prometidos não apareceram.
Nas bilheterias, houve um aumento de R$ 8 milhões nesse período. Mas nem isso dá para creditar somente à chegada dos potenciais ídolos. O São Paulo jogou a final do Campeonato Paulista em 2019, mas não chegou a essa fase em 2018. Isso também explica o incremento.
Houve problemas com a linha de receitas que o São Paulo mais crê para tentar fechar as contas: as vendas de jogadores. Enquanto as bilheterias aumentaram um pouco, as transferências caíram muito.
A diretoria de Leco pode argumentar que as vendas seriam muito maiores, não fosse a decisão, segundo seus dirigentes, de barganhar valores mais altos em negociações concluídas em janeiro e fevereiro de 2020. Cujos valores foram descritos no balanço da seguinte maneira.
Gustavo Maia por 1 milhão de euros
David Neres por 7 milhões de euros
Antony por 16 milhões de euros
Ainda que as vendas tenham aliviado as contas na virada da temporada, no entanto, elas não compensaram as perdas registradas em 2019. Tanto que salários do elenco estavam atrasados no início de 2020, antes de qualquer efeito causado pela pandemia do coronavírus.
Antes de seguir adiante para outros indicadores financeiros, podemos comparar as projeções feitas pelo próprio São Paulo para a temporada passada, em seu orçamento, versus os valores realizados e publicados nas demonstrações financeiras. Sobrou frustração, faltou dinheiro.
Sobre o deficit (prejuízo) exposto na tabela, aliás, o torcedor precisa entender melhor o que são os R$ 156 milhões negativos. Apesar de o senso comum indicar que esta é exatamente a quantia que faltou para fechar as contas, existem pertinentes explicações sobre contabilidade.
Em 2019, o São Paulo reconheceu duas dívidas relevantes. Uma com a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) por serviços prestados durante eventos sociais; outra envolvendo a contratação do meia Ricardinho, hoje comentarista, que vinha sendo cobrada judicialmente pela intermediária desde 2004.
Acordos com 13 ex-jogadores foram feitos para reconhecer dívidas por direitos de arena. A lista tem Alex Dias, Maldonado e Washington – o coração valente –, gente que vestiu a camisa tricolor entre 2000 e 2015.
No total, todos esses acordos somaram R$ 81 milhões. Por que essa história importa? Esse dinheiro foi registrado como despesa no balanço de 2019, para seguir a regra contábil, mas o desembolso acontecerá em parcelas nos próximos anos. O prejuízo da temporada ficou em R$ 156 milhões, mas metade disso não teve "efeito" imediato nas contas.
A explicação contábil sobre o deficit torna o quadro menos pior? Na verdade, não. Ela só nos indica por que torcida e imprensa precisam dar menos bola para o resultado líquido, por maior que seja o prejuízo, e olhar para indicadores mais úteis. Como o retratado no gráfico abaixo.
Ainda que haja R$ 56 milhões a receber no curto prazo por vendas de jogadores – e não há garantia de que esse dinheiro realmente entrará no caixa, vide os atrasos do River Plate para quitar a compra de Lucas Pratto e as consequências da Covid-19 – é pouco diante da necessidade.
Trocando em miúdos, o São Paulo, que tem dificuldades até para pagar seus custos do cotidiano, assumiu dívidas de curto prazo que somavam R$ 331 milhões em 31 de dezembro de 2019. Todo este montante tem vencimento inferior a um ano, portanto no decorrer de 2020.
Nem precisaria ter havido pandemia de coronavírus e paralisação da economia para chegar a esta situação. A menos que o clube arrecadasse o dobro, a chance de pagar salários de jogadores, demais despesas e ainda todas as dívidas de curto prazo era nula. Inexistente. Impagável.
Por que o São Paulo deve tanto? Há duas razões. Primeiro, como Leco nunca conseguiu administrar o clube com despesas adequadas às receitas, foram tomados empréstimos com instituições financeiras para cobrir a diferença. Só em 2019 foram R$ 156 milhões em novos créditos, enquanto R$ 73 milhões foram usados para pagar empréstimos anteriores. A diferença entre um e outro... virou dívida no curto prazo.
Segundo motivo para o endividamento, Raí e Lugano, entre outros representantes do departamento, também não conseguiram administrar o futebol com baixos custos e pouco investimento. Pelo contrário. As dívidas com clubes e intermediários ("outros" no gráfico) dispararam.
Além de quase R$ 90 milhões devidos a empresários que prestaram serviços de intermediação em compras e vendas de jogadores, há atletas comprados recentemente com parcelas a vencer nos seguintes valores.
Tiago Volpi: R$ 27 milhões
Tchê Tchê: R$ 16 milhões
Pablo: R$ 13 milhões
Hernanes: R$ 11 milhões
Os riscos assumidos pelo presidente Carlos Augusto de Barros e Silva foram muito altos. O São Paulo não se preparou financeiramente para fazer investimentos no futebol, nem fez escolhas austeras. Contratar Daniel Alves e Juanfran e inflar a folha de pagamentos, ou investir nas compras dos direitos econômicos de jogadores? O cartola quis tudo.
Agora, com a paralisação decorrente da pandemia, receitas estão comprometidas e não há dinheiro nem para pagar o básico. Se vender jogadores em profusão daqui até o fim do ano, Leco poderá encerrar sua longa administração com as finanças apenas ruins. Sem entradas extraordinárias, ninguém sabe o que aguarda o próximo presidente.
São Paulo, Finanças, 2019, Dívidas, Décadas, SPFC
Quando contratou Daniel Alves e o espanhol Juanfran em questão de poucos dias, em agosto de 2019, a direção de Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco, passou uma mensagem aos torcedores e ao mercado do futebol. O São Paulo, outrora soberano, estava vivíssimo. Tanto que podia reforçar o elenco com jogadores de renome mundial e competir de igual para igual com adversários muito mais badalados àquela altura.
Como pagar por essas e outras apostas arriscadas feitas pela diretoria são-paulina? Bem, planos de marketing seriam elaborados para atrair patrocinadores, o programa de associação dispararia em novas adesões, o Morumbi lotaria suas arquibancadas. Você conhece o discurso.
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Quase um ano depois, publicadas as demonstrações financeiras tricolores, os resultados referentes a 2019 são assustadores. O presidente Leco e seus principais diretores no futebol, Raí e Lugano, não ganharam títulos, nem elevaram receitas. Pior, endividaram e deixaram o São Paulo na sua pior situação financeira pelo menos desde 2003.
O São Paulo sempre pôde se orgulhar de ter estabilidade financeira. Nos anos 2000, a diferença entre faturamento (tudo o que arrecada) e endividamento (tudo o que deve) sempre esteve por volta de 0,5. Em outras palavras, as receitas sempre representaram o dobro das dívidas.
Em uma de suas piores crises de ordem financeira e moral, anos atrás, em 2014 e 2015, essa proporção virou para 1,2. Ou seja, agora eram as dívidas que correspondiam ao dobro de tudo o que era arrecadado.
Carlos Miguel Aidar renunciou sob acusações de corrupção, e Leco assumiu a função provisoriamente, depois por meio de eleição, com a promessa de colocar as coisas no lugar. Pois em 2019 essa relação entre receita e dívida chegou a 1,4. Melhor do que em muitos clubes no Brasil, sim, mas a pior já registrada pelo São Paulo nesse tempo todo.
A relação entre receitas e dívidas do São Paulo
Para entender o que deu errado na administração de Leco, começamos pelas receitas. Como o gráfico acima deixa evidente na linha vermelha, a arrecadação caiu consideravelmente nos últimos anos.
Os direitos de transmissão foram prejudicados pelo mau futebol em campo. A eliminação na fase preliminar da Libertadores impediu que o clube recebesse até as cotas da fase de grupos. Depois, ao ser derrotado nas oitavas de final da Copa do Brasil, também ficou longe das fartas premiações das fases seguintes.
As eliminações prejudicam muito porque, hoje, o futebol brasileiro está variável. As competições em mata-mata foram valorizadas em seus direitos de transmissão, então passaram a pagar maiores premiações – também por isso essas receitas são compreendidas como uma coisa só.
O fracasso esportivo aconteceu antes das contratações de Daniel Alves e Juanfran. Eles chegaram, então, e... nada. Nos patrocínios e nos licenciamentos, que compõem a receita com as áreas comercial e de marketing, o incremento nas receitas foi de R$ 1 milhão entre 2018 e 2019. Pouquíssimo. Patrocinadores prometidos não apareceram.
Nas bilheterias, houve um aumento de R$ 8 milhões nesse período. Mas nem isso dá para creditar somente à chegada dos potenciais ídolos. O São Paulo jogou a final do Campeonato Paulista em 2019, mas não chegou a essa fase em 2018. Isso também explica o incremento.
Houve problemas com a linha de receitas que o São Paulo mais crê para tentar fechar as contas: as vendas de jogadores. Enquanto as bilheterias aumentaram um pouco, as transferências caíram muito.
A diretoria de Leco pode argumentar que as vendas seriam muito maiores, não fosse a decisão, segundo seus dirigentes, de barganhar valores mais altos em negociações concluídas em janeiro e fevereiro de 2020. Cujos valores foram descritos no balanço da seguinte maneira.
Gustavo Maia por 1 milhão de euros
David Neres por 7 milhões de euros
Antony por 16 milhões de euros
Ainda que as vendas tenham aliviado as contas na virada da temporada, no entanto, elas não compensaram as perdas registradas em 2019. Tanto que salários do elenco estavam atrasados no início de 2020, antes de qualquer efeito causado pela pandemia do coronavírus.
Antes de seguir adiante para outros indicadores financeiros, podemos comparar as projeções feitas pelo próprio São Paulo para a temporada passada, em seu orçamento, versus os valores realizados e publicados nas demonstrações financeiras. Sobrou frustração, faltou dinheiro.
Sobre o deficit (prejuízo) exposto na tabela, aliás, o torcedor precisa entender melhor o que são os R$ 156 milhões negativos. Apesar de o senso comum indicar que esta é exatamente a quantia que faltou para fechar as contas, existem pertinentes explicações sobre contabilidade.
Em 2019, o São Paulo reconheceu duas dívidas relevantes. Uma com a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) por serviços prestados durante eventos sociais; outra envolvendo a contratação do meia Ricardinho, hoje comentarista, que vinha sendo cobrada judicialmente pela intermediária desde 2004.
Acordos com 13 ex-jogadores foram feitos para reconhecer dívidas por direitos de arena. A lista tem Alex Dias, Maldonado e Washington – o coração valente –, gente que vestiu a camisa tricolor entre 2000 e 2015.
No total, todos esses acordos somaram R$ 81 milhões. Por que essa história importa? Esse dinheiro foi registrado como despesa no balanço de 2019, para seguir a regra contábil, mas o desembolso acontecerá em parcelas nos próximos anos. O prejuízo da temporada ficou em R$ 156 milhões, mas metade disso não teve "efeito" imediato nas contas.
A explicação contábil sobre o deficit torna o quadro menos pior? Na verdade, não. Ela só nos indica por que torcida e imprensa precisam dar menos bola para o resultado líquido, por maior que seja o prejuízo, e olhar para indicadores mais úteis. Como o retratado no gráfico abaixo.
Ainda que haja R$ 56 milhões a receber no curto prazo por vendas de jogadores – e não há garantia de que esse dinheiro realmente entrará no caixa, vide os atrasos do River Plate para quitar a compra de Lucas Pratto e as consequências da Covid-19 – é pouco diante da necessidade.
Trocando em miúdos, o São Paulo, que tem dificuldades até para pagar seus custos do cotidiano, assumiu dívidas de curto prazo que somavam R$ 331 milhões em 31 de dezembro de 2019. Todo este montante tem vencimento inferior a um ano, portanto no decorrer de 2020.
Nem precisaria ter havido pandemia de coronavírus e paralisação da economia para chegar a esta situação. A menos que o clube arrecadasse o dobro, a chance de pagar salários de jogadores, demais despesas e ainda todas as dívidas de curto prazo era nula. Inexistente. Impagável.
Por que o São Paulo deve tanto? Há duas razões. Primeiro, como Leco nunca conseguiu administrar o clube com despesas adequadas às receitas, foram tomados empréstimos com instituições financeiras para cobrir a diferença. Só em 2019 foram R$ 156 milhões em novos créditos, enquanto R$ 73 milhões foram usados para pagar empréstimos anteriores. A diferença entre um e outro... virou dívida no curto prazo.
Segundo motivo para o endividamento, Raí e Lugano, entre outros representantes do departamento, também não conseguiram administrar o futebol com baixos custos e pouco investimento. Pelo contrário. As dívidas com clubes e intermediários ("outros" no gráfico) dispararam.
Além de quase R$ 90 milhões devidos a empresários que prestaram serviços de intermediação em compras e vendas de jogadores, há atletas comprados recentemente com parcelas a vencer nos seguintes valores.
Tiago Volpi: R$ 27 milhões
Tchê Tchê: R$ 16 milhões
Pablo: R$ 13 milhões
Hernanes: R$ 11 milhões
Os riscos assumidos pelo presidente Carlos Augusto de Barros e Silva foram muito altos. O São Paulo não se preparou financeiramente para fazer investimentos no futebol, nem fez escolhas austeras. Contratar Daniel Alves e Juanfran e inflar a folha de pagamentos, ou investir nas compras dos direitos econômicos de jogadores? O cartola quis tudo.
Agora, com a paralisação decorrente da pandemia, receitas estão comprometidas e não há dinheiro nem para pagar o básico. Se vender jogadores em profusão daqui até o fim do ano, Leco poderá encerrar sua longa administração com as finanças apenas ruins. Sem entradas extraordinárias, ninguém sabe o que aguarda o próximo presidente.
São Paulo, Finanças, 2019, Dívidas, Décadas, SPFC
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