A fronteira entre a graça e a grosseria é tênue. Basta um tom acima, e uma observação que se pretendia espirituosa passa a soar como ofensa.
Isso ocorre com frequência no futebol, campo fértil em provocações, gozações e cutucadas afins. Polêmicas e barracos entre jogadores, técnicos, torcedores e cartolas apimentam rivalidades, e na maioria das vezes caem no folclore. Mas há quem erre na dose e não perceba a hora de recuar.
O exemplo paroquial está em Andrés Sanchez e Juvenal Juvêncio, presidentes dos times mais populares do Estado. Os dois não se entendem nem se envergonham de escancarar as diferenças. Cada um a sua maneira - o corintiano mais direto e rude; o são-paulino com ar matreiro, superior e com linguagem que rescende a verniz de rebuscamento. Ao rodarem a baiana, já proporcionaram momentos picarescos e divertidos.
Agora, a desavença saiu do terreno da galhofa e enveredou para o do preconceito, com prejuízo para ambos. Juvêncio respondeu a mais um lote de críticas do rival com a afirmação de que se tratava de questão de "Mobral inconcluso". Sanchez retrucou com referências pouco claras a respeito da trajetória profissional do colega, "que sempre ocupou cargos públicos", enquanto ele ganha a vida na iniciativa privada.
Os dirigentes se expuseram inutilmente, num episódio em que não há nada de burlesco. Qual o problema de alguém construir carreira no serviço oficial? A maioria dos servidores faz parte da massa comum de trabalhadores, com mesmos desejos, direitos, responsabilidades e pressões. Muda, talvez, o vínculo empregatício. Há apadrinhados e oportunistas? Sem dúvida - e o Estado já nos anos 1970 apontava a casta dos marajás. Esses precisam sair do caminho, por profilaxia e felicidade geral da nação. O que não se pode é enraizar o estereótipo de que só existem privilégios para quem exerça cargo público.
A postura de Juvêncio não foi menos delicada. Como está acostumado a boutades que regozijam seus sequazes, dardejou o opositor com nova pilhéria. (Caprichei na frase, porque gente fina é outra coisa.) Provavelmente a intenção era dar uma enquadrada em Sanchez, que parece ter obsessão pelo São Paulo. Não passa dia em que o corintiano não se ocupe da rotina dos desafetos. A mais recente é falar a respeito do futuro de Dagoberto, que ele (Sanchez) anuncia como fora do Morumbi. E daí? Por acaso isso é problema do Corinthians?
Mas a blague de Juvêncio desta vez pisou na lama do mau gosto. Ao sugerir que falta instrução ao antagonista revelou uma visão de mundo ultrapassada, aquela que vê a massa inculta como estorvo. Sabe como é? A tal da gente diferenciada que até já pode andar de metrô, benefício que por boa vontade lhe concederemos. Desde que as estações fiquem longe do nosso bairro, ó que horror!
Analfabetismo é uma indecência, uma vergonha que temos a obrigação de aniquilar. O Mobral, bem ou mal, afastou milhões de pessoas da violência de não saber ler nem escrever. Quantos são-paulinos de todos os cantos do Brasil não se orgulham de sentir-se mais cidadãos por terem saído, daquela forma, das trevas da falta de instrução?
Não importa muito, também, se este ou aquele não usa todos os esses nos plurais ou se não conjuga verbos à perfeição. Sem embrenhar-me na gramática e na linguística, lembro que cacoetes da linguagem corriqueira, hoje vistos como erros, no futuro virarão norma culta. Os "dialetos populares" transformam os idiomas.
Juvêncio fala bem? Parabéns! Sanchez está mais pra "aqui é Curíntia, mano?" Se faz entender? Então, bola pra frente! Bobagem atacar alguém pela forma como se expressa. É modo pobre de atingir inimigos. Em vez de perder tempo com picuinhas, a dupla ajudaria o futebol se levantasse bandeiras da transparência e da ética. E sobretudo se empunhasse as bandeiras da tolerância e da paz.
Vespeiro verde. Paz é artigo em baixa no Palmeiras. A agressão a João Vitor e o desentendimento entre Kleber e Felipão são novos capítulos do momento vergonhoso de um clube heroico. Torcedores, atletas e técnico deveriam estar do mesmo lado e não chocar-se uns contra os outros. A desintegração do time, infelizmente, é reflexo de mal maior, que vem de bastidores apodrecidos e ausência de liderança. Sobram vaidade e sede de poder, falta espírito palestrino.
Fora de tom
Fonte Estadão/Antero Greco
14 de Outubro de 2011
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