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Rogério, 40 anos de revolução

Houve um tempo em que perguntar a um são-paulino qual era o maior ídolo da história do clube era causar discórdia no Morumbi. Uns mais antigos diriam Canhoteiro – Juvenal Juvêncio é um desses e já me disse isso. Outros, mais surpreendentes, diriam Telê Santana. Mulheres diriam Raí, rapazes também.

Com o tempo, tornou-se óbvio o nome de Rogério Ceni. “Um goleiro?”. Sim, e que goleiro.

Em sua posição, Rogério viu poucos serem melhores que si como profissional. Tinha categoria para ser titular da Seleção Brasileira, mas acabou sendo preterido por outros nomes, como Marcos, Dida e Júlio César. Goleiro, como se sabe, é cargo de confiança – desses valores subjetivos que, embora compreensíveis, causam injustiças.

(E olhe que, por enquanto, estamos falando apenas de atuar com as mãos.)

Rogério é um revolucionário a seu modo. Subverteu a ideia de que um goleiro tivesse que ser irresponsável para cobrar faltas (Higuita, Jorge Campos e Chilavert o precederam) e construiu assim um espaço para seu talento nato, a contragosto dos conservadores.

De um goleiro, ninguém espera invenções. O goleiro, para muitos, precisa ser sacerdotal, quieto, focado, sem sorrisos, sem irreverências de atacante. Fazendo o básico, já se aplaude muito – e olhe que o ofício exige milagres.

Mas Rogério fez mais: ultrapassou a marca de 100 gols. Além de ser um tremendo impeditivo aos atacantes – vide a heroica final do Mundial de 2005 contra um bombardeio do Liverpool – o paranaense ainda brindou os são-paulinos com uma centena de inesperados festejos. Se não pode ser da Seleção, é mitológico para seu clube. O homem completo: capitão, barricada e artilheiro.

A experiência o tornou melhor. Suplantou os raros erros de sua carreira com uma personalidade que incorporou a instituição são-paulina a tal ponto que ambos, Rogério e SPFC, se tornaram inoperavelmente siameses. E assim como clubes despertam paixão e ódio, Rogério se tornaria um dos jogadores mais antipáticos do mundo – no caso de você não torcer pelo vermelho, branco e preto do Morumbi.

Quando minha carreira de jornalista esportivo se mudou para São Paulo, aterrissei no clube com o crachá da “Folha”. Percebi que o goleiro era um Garrincha nas respostas: vacinado contra polêmicas, sempre se desfazia da marcação dos jornalistas, que lhe faziam perguntas que poderiam colocá-lo em situação delicada. Nós jornalistas somos vaidosos: gostamos de achar que os jogadores têm de fazer o nosso jogo, afinal, precisamos de manchetes, títulos e frases. E não apenas nós: leitores-torcedores gostam de declarações bombásticas, de ídolos que se posicionam como ídolos, de situações-limite – e lembre-se que jornalismo é feito tanto para os torcedores quanto para os adversários. Há vários jogos que se disputam no meio do futebol, e um dos mais importantes é o das palavras.

Se perguntamos e eles não respondem, consideramo-los mascarados. Não faltava gente que pensava assim de Rogério na época em que eu era repórter e eu, que nunca fui são-paulino, tendi a concordar. Admito: era fácil pensar assim.

Tudo isso ainda era temperado pela estratégia de jamais aceitar um erro publicamente. A carreira de um goleiro é sujeita a frangos, e Rogério teve os seus. Mas, como sabia estar no foco, jamais demonstrou uma culpa contrita, dolorida. Nunca implorou pela solidariedade dos outros, até porque isso só satisfaz ao nosso desejo de punir culpados. Falha se corrige treinando, e Rogério sempre ralou sem privilégios de astro. Numa sociedade que exige humildade como passaporte para a admiração, preferiu ser admirado apenas pelos seus torcedores e abriu mão do gesto enternecedor.

E talvez isso tenha sido o maior obstáculo para sua carreira na Seleção.

Sempre soube criar, no entanto, o gesto perfeito na hora das vitórias. Sabia o que fazer ante as câmeras, era eloquente sem palavras, amplificando suas qualidades de ídolo. Lembrem-se, leitores, do momento em que ele passou o microfone ao menino Lucas, que se despediu da torcida com a conquista da Sul-Americana-2012. Ao engrandecer o garoto, Rogério soube ser maior.

Rogério não é um frasista como Romário, Túlio ou Dadá. Sempre pareceu um sujeito muito protocolar nas respostas estudadas. Mas sempre disse o que o são-paulino queria ouvir de um capitão-goleiro e quase sempre evitou dizer o que o torcedor NÃO QUERIA ouvir. Desarmava as bombas habituais da vida em equipe e cumpria o papel de jogador-conceito de um clube que criou em torno de ninguém mais senão Rogério a ideia de que se tratava de uma instituição estruturada e metodista, bem mais avançada que os co-irmãos “primitivos”. O legado de Rogério ao São Paulo é imenso e eu aposto alto que o goleiro saberá ser um grande presidente são-paulino.

Entender Rogério passa por entender o que é ser ídolo, o que é ser capitão, o que é ser goleiro. Ser goleiro pressupõe passar segurança; ser capitão pressupõe liderança, didática e irradiação; ser ídolo pressupõe eternidade. Rogério não podia se dar o direito de ser fanfarrão como um atacante, provocador como um cometa temporário e irascível como um moleque.

O goleiro nunca me deu uma entrevista exclusiva quando eu militava no CCT. Com o tempo, percebi que ele nada tinha contra mim – detestava a “Folha” por duas matérias que lhe causaram problemas e lhe retardaram a ascensão ao panteão dos incontestáveis. Prometeu-me certa vez que, no dia em que eu saísse de lá, concederia a mim uma conversa com prazer. Tive que compreender, e sei que um dia essa conversa chegará.

E compreendi que Rogério tinha uma percepção clara de seu papel no futebol e no São Paulo. Tinha a oportunidade de unir as partes debatedoras e se tornar o maior ídolo da história tricolor, mesmo vestindo a camisa 1 que representa o antifutebol das mãos e da defesa.

Aproveitou a chance com inteligência, talento e empenho, o que, em se tratando de futebol, também é revolucionário. Hoje, 40 anos de idade, é indiscutivelmente o maior nome da história do clube. Talvez seja o maior goleiro que a Seleção esnobou.

P.S: O texto informava erroneamente o MS como Estado de nascimento de Rogério. O goleiro é, na verdade, paranaense.

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