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Homem forte de Cotia, René Simões avisa: ‘Aqui não é a ilha da fantasia’

– Alô, René Simões? Tudo bem? Tenho um jogador para oferecer, ele é forte, alto, tem 1,94m, 15 anos, interessa?

– Amigo, desculpa, mas aqui não é um clube de basquete. Ele joga bola? É bom de bola? Se não souber jogar, não me interessa.

Há pouco mais de dois meses no cargo de diretor técnico do São Paulo, René Simões resumiu no diálogo acima o trabalho que está implantando no clube: o cuidado na captação de jovens talentos.

O ex-técnico da Seleção feminina de futebol, com passagens pela Jamaica e clubes asiáticos, foi contratado por Juvenal Juvêncio depois que o time júnior do clube foi eliminado ainda na fase de grupos da Copa São Paulo deste ano, sem nenhum atleta que chamasse a atenção para a equipe de cima.

Depois de analisar e tirar um raio-x do seu novo local de trabalho, o carioca de 59 anos traçou as prioridades: capacitar os técnicos e olheiros do clube para que eles possam trazer e trabalhar com os novos talentos.

– A gente não quer fazer disso aqui um outdoor, uma coisa muito linda ou uma ilha da fantasia. Queremos fazer daqui um centro de excelência na formação de atletas – adianta René, que vai mais além:

– Aqui não se joga bola, o garoto não vai vir aqui achando que vai jogar bola o dia todo. Aqui se aprende a jogar bola, se aprende a ser profissional, seguir hierarquia. A vida do jogador é muito dura, mas todo mundo só vê os caras que estão lá em cima, ninguém vê por onde passaram – completa.

A filosofia de René Simões é simples: olheiros e técnicos devem trabalhar na mesma sintonia. O observador precisa ter a capacidade de entender qual atleta tem o perfil do clube, e os técnicos das categorias inferiores precisam padronizar uma maneira de jogar, para que o garoto, desde o sub-13, entenda o que o clube vai exigir dele no profissional, quando ele já estiver “formado”.

– Não aparecem mais craques como antes, a concorrência é muito grande com outros esportes e até com as lutas, como o MMA, que ficou tão popular. Por isso precisamos ter um projeto de captação de valores bem feito, é necessário ir onde este grande jogador está. E temos de saber também trabalhar com ele, para não perdê-lo no caminho – explicou.

Na entrevista abaixo, você vai conhecer as ideias do diretor técnico do São Paulo, que assinou contrato por seis anos com o Tricolor e trocou sua casa na Barra, no Rio de Janeiro, para morar – pelo menos nos dias da semana - no CT de Cotia do Tricolor. O objetivo? Colocar oito atletas na base no time principal do clube até 2015, e quatro na seleção olímpica em 2016.



GLOBOESPORTE.COM - Como foi a sua chegada ao São Paulo?
René Simões - O convite do São Paulo me pegou meio de surpresa. Eu estava sem trabalhar desde o fim de 2011 e havia operado os dois pés, estava me recuperando. Aproveitei este tempo para ver futebol e digo que neste período minha lupa aumentou. A lupa de um treinador muitas vezes é pequena, porque ele precisa observar o time dele, o adversário, o campeonato e os jogos estão ocorrendo de quarta e domingo. Não dá tempo para analisar o futebol. No meu caso, não tive esse problema.

E o que você notou neste período?
Nossa transferência de bola está muito ruim, nosso goleiro tem a bola, de dez chutes pra frente que ele dá, em sete a bola volta para o adversário. O zagueiro dá muito chutão para frente, são inúmeras faltas laterais... Discordo quando dizem que o jogador brasileiro é desobediente taticamente. No sub-13, colocam o chassi no jogador de uma marca, depois no sub-15 colocam o motor de uma outra montadora, no sub-17, a carcaça é de um outro veículo. Aí, quando chega no profissional, acham que têm uma Ferrari nas mãos, mas ali não tem nem um carro. Essa é a função do diretor técnico, analisar este ponto.

Sua função, então, é observar como o clube joga de uma maneira geral, analisando todas as categorias?
Imagina no domingo você perder para o maior rival e, na segunda, o técnico do time principal precisa estar em uma reunião para falar sobre o sub-13? Não dá, né... O técnico precisa pensar no time, no campeonato e até no emprego dele, porque a gente sabe como funciona depois de uma derrota Por isso, fui chamado não só como diretor da base. Sou diretor técnico do São Paulo como um todo, responsável por todo o futebol. Para esta integração que a gente quer, precisa de todo um trabalho embaixo, na base. Por isso já avisei a diretoria que vou ficar colado três anos aqui.

E o que você fez nesses primeiros meses de trabalho?
A primeira coisa que fiz foi ir à Europa para conhecer um pouco mais do Barcelona, que é o time que está jogando diferente, fazendo coisas diferentes. Depois, no primeiro mês, eu precisava ouvir o que Cotia tinha para falar, entrevistei as pessoas daqui. Eu precisava tirar uma foto deste lugar e passei a minha análise para a diretoria.

Alguma constatação importante de Cotia? Algo que preocupou?
Não quero expor o que eu passei para a diretoria, mas em cima disso montei o meu projeto, para fazer disso aqui um centro de excelência na formação de jogadores, não um outdoor ou uma ilha da fantasia.

Pela estrutura que tem, o São Paulo não tem produzido poucos atletas?
Não se pode dizer que o São Paulo não produziu jogadores nos últimos anos. O clube tem o Casemiro, Lucas, Wellington, Bruno Uvini (hoje no Tottenhan-ING), todos que saíram daqui... Não se pode ter medo também de um jogador sair daqui e explodir em outro lugar. Isso acontece e temos inúmeros casos espalhados por aí. Estamos tentando ser gestores de um projeto bem organizado, para que isso não aconteça.

Mas dá para prometer para a torcida a formação de um craque?
Temos algumas dificuldades hoje no Brasil. Não aparecem mais craques como antes. Estamos perdendo para o vôlei, basquete, atletismo, e estamos agora, em uma situação mais recente, para as lutas, para o MMA, que é um esporte democrático como o futebol. Mas até aí, tudo bem, porque estamos perdendo de um esporte para outro. O pior é que perdemos os campos de pelada, a rua está perigosa, e as crianças não ficam mais jogando bola até tarde como antes. É por isso que quero aqui ter um projeto sério de captação de valores. Precisamos varrer o Brasil atrás de talentos. Antes, as crianças jogavam bola o tempo todo e acabavam se revelando. Agora, eles não têm como se mostrar. Você tem de montar uma rede de observadores alinhados com os interesses do clube. Quero aprimorar esta rede, ensinar o cara a olhar com os olhos do São Paulo, um cara que sabe a maneira como a equipe joga e como o time deve se portar. E é esta filosofia que eu quero passar para os observadores.



Você não ensina só os garotos, mas os técnicos do São Paulo também?
O clube precisa ter pessoas capazes para refinar o petróleo da melhor maneira possível. Aqui a gente treina no campo, mas conversa com os técnicos fora também, existe um trabalho teórico. Você precisa mostrar para ele como deve ser o vestiário de intervalo, de fim de jogo, mostrar que não pode dar bronca no jogador na frente de todo mundo, conversas rápidas senão o atleta perde a atenção. Essas coisas... Já vi técnico conversando mais de 1h30 com o jogador debaixo de um sol quente. Isso não existe.

O que pretende fazer fora de campo? A estrutura da base é a mesma do profissional?
Temos de fazer com que todos os setores trabalhem interligados. Só que na base você precisa ter um cuidado social maior. É preciso ter uma assistente social no clube, isso o São Paulo já tinha antes da minha chegada, mas é importante você saber a história de cada garoto, conhecer os pais dele, saber se costuma ter muitos problemas dentro de casa. Essas coisas têm muita interferência no trabalho. Além disso, precisamos ter uma medicina preventiva. Nós temos de evitar lesões e alguns problemas com a saúde destes meninos que ainda estão em formação.

Quais cuidados você precisa ter?
Você precisa ter o jogador forte aqui, não só de cabeça, com o trabalho de um psicólogo para as competições e para o dia a dia. Nem todos aqui serão jogadores profissionais, mas temos de formar homens para a sociedade. Se por algum acaso algum menino não dê certo como atleta aqui, ele precisa ser um cidadão, este é o nosso compromisso. Além disso, temos de cuidar da parte física de cada um. O atleta têm exigências maiores que uma pessoa comum, precisa comer mais frutas, mais grãos. Pequenos detalhes servem para detectar algum problema. Você sabe qual a cor da urina de um atleta? Branca. Se ele não estiver urinando nesta cor, fique atento porque pode ser desidratação. E um jogador não pode estar desidratado em hipótese nenhuma.

E dentro de campo? Como a equipe deve se portar?
Você precisa criar, debaixo pra cima, as coisas bem definidas. O meu goleiro, por exemplo, não pode dar chutão. Eles precisam ser treinados, desde os 11 anos, a serem bons com os pés. Eu não quero zagueiros rebatedores, que transferem a posse de bola para o adversário. De dez chutes pra frente, vamos ter a bola em menos da metade. E o que cansa no futebol é correr sem a bola, porque com ela é prazeroso.

E como fazer o time manter essa posse de bola?
Uma vez um jogador me questionou sobre qual era a função de um treinador. Eu falei um monte de coisas pra ele, dei quase uma aula. E ele me derrubou quando disse: “a principal função de um treinador é fazer com que o time jogue com 11 jogadores.” Parece óbvio, mas é verdade, essa é a maior dificuldade. Se você reparar no jogo, em alguns momentos nem todos os jogadores estão participando do jogo. Alguns só se comprometem com a parte ofensiva, outros só com a parte defensiva. E isso está errado, todos devem jogar.


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