Aos 37 anos, Martín Anselmi já está sem dúvidas entre os principais técnicos do futebol na América do Sul. O argentino tem pouco mais de uma temporada e meia neste novo desafio, e os títulos logo apareceram: campeão da CONMEBOL Sul-Americana, da CONMEBOL Recopa, do Campeonato Equatoriano e da Supercopa do país à frente do Independiente del Valle.
Anselmi trabalhou de 2019 a 2021 como assistente de Miguel Ángel Ramírez tanto no Del Valle quanto no Internacional, duas experiências completamente distintas. Depois, o argentino teve a primeira experiência como treinador no Unión la Calera, do Chile, mas ficou por apenas quatro meses.
De volta ao Independiente del Valle, desta vez no comando do time, Martín Anselmi reescreve a história dos Negriazul. Nesta quarta-feira, às 19h (de Brasília), os equatorianos recebem o Corinthians pela quinta rodada do Grupo E da CONMEBOL Libertadores e se garantirá nas oitavas em caso de vitória.
Em entrevista exclusiva à ESPN, o técnico argentino relembra a passagem pelo Inter, destrincha como preparou o Del Valle para a final da Sul-Americana contra o São Paulo no ano passado e revela: teria feito tudo diferente na Recopa diante do Flamengo. E olha que o Del Valle terminou como campeão...
Passagem curta pelo Internacional
"Acredito que a experiência no Inter foi muito rápida, como costuma ser no futebol brasileiro. Creio que há muito aprendizado no meio e há muita coisa em retrospectiva com relação a processos. Eu, hoje, posso dizer olhando para trás que isso fizemos bem, isso não... Acredito que se um dia eu volte ao futebol brasileiro modificaria certas coisas, porque no final era um contexto novo em uma equipe enorme como é o Inter, o Brasil vinha de um ano pandêmico e os torneios foram acelerados, e nós chegamos e não pudemos fazer pré-temporada. De fato, começamos competindo com o time sub-20, pois os profissionais estavam de férias. Tinham dado dez dias para que eles pudessem descansar, porque o Brasileirão acabou naquele mesmo mês. Então é o fato de não haver feito uma pré-temporada, onde o modelo de jogo é implementado de maneira mais forte, e tivemos que ir introduzindo à medida em que íamos competindo. E, bom, creio que foi um processo de aprendizagem."
"Também vínhamos de um futebol onde não há a mesma idiossincrasia, para o jogador brasileiro, equatoriano, são contextos nos quais tem que se adaptar, tem que saber surfar nisso. Mas acredito que mesmo assim todos conseguimos chegar à final do Gauchão – é certo que era um clássico, e que os clássicos se ganham, e não nos tocou isso. Nós nos classificamos em primeiro na Libertadores, tendo atuações muito boas, e acredito que o determinante foi a Copa do Brasil."
"No Brasileiro, começamos ganhando do Sport por 2 a 0, mas eles empataram; depois foi essa derrota muito dolorida para o Fortaleza, onde aconteceram coisas que no final você não controla, porque nos expulsaram o Pedro Henrique e dessa jogada o Fortaleza faz um gol. Já nos custou muito, e no jogo seguinte outra vez ficamos com um a menos, o mesmo jogador, em uma série na qual tínhamos vantagem, e precisávamos resistir contra um rival que não tinha nada a perder. Começaram a colocar todos para o ataque, nós conseguimos empatar, e depois expulsaram o Boschilia... bom, às vezes não é para acontecer."
"Eu gosto de olhar para trás, porque entendo que se não faz isso, você não melhora. Porque olhando em retrospectiva, você pode fazer uma análise e encontrar, porque quando você está vivendo o processo, não se dá conta. Mas quando já passou o processo e olha atrás, pode encontrar detalhes e coisas soltas que se foram escapando, coisa que foi acertada ou que seria modificada. E você aprende se consegue ser autocrítico consigo mesmo e encontrar o erro. Fui eu quem dirigiu o time naquele jogo, e no intervalo, por aí, "por que não o tirei?", ele já estava amarelado. Então são coisas que vão te deixando marcas. Mas, bom, no meu país dizemos que com o jornal de segunda é muito fácil falar, mas sim que creio que tudo acrescenta e é um aprendizado para as próximas experiências que possam chegar."
Oferta do Palmeiras em 2020
"O tema com o Palmeiras foi muito claro. Às vezes no futebol os tempos não coincidem. O Palmeiras, quando se aproxima de Miguel Ángel, nós estávamos a dias de competir nas oitavas da Libertadores com uma equipe em um dos anos mais difíceis da história recente, que era a pandemia. Então, depois de ficar muito tempo fechado em casa, voltamos a competir e nos classificamos neste grupo com Flamengo, Junior (Barranquilla) e Barcelona (de Guayaquil), equipes das maiores de cada país, e tínhamos o Nacional nas oitavas. Então nós acreditávamos que tínhamos um compromisso assumido com o Independiente del Valle e terminar de competir aquele ano. Simplesmente esse foi o motivo pelo qual decidimos continuar. Não por não acreditar que estávamos ou não preparados, porque no final sempre há uma primeira vez para tudo. Sempre há uma primeira vez para ser treinador, para ir a uma liga mais competitiva ou para uma equipe maior. Então creio que Miguel tinha claro que chegando ao fim do ano, sim, queria já migrar, porque o corpo técnico estava pedindo esse salto. E bom, neste momento apareceu o Inter e decidimos aceitar o desafio."
Destrinchando São Paulo para final da CONMEBOL Sul-Americana
"Realmente o São Paulo nos custou muito trabalho. Devo reconhecer que o São Paulo nos deu muitíssimo mais trabalho do que todos os outros que tínhamos enfrentado a nível local e internacional, porque Rogério Ceni fazia muitas mudanças de sistema. Por momentos jogava com linha de 3, por momentos colocava uma linha de 4. Por momentos eram 3, mas Rafinha tinha uma posição em que poderia começar jogando como ala e depois como zagueiro. Então defendiam com quatro, mas atacavam com três, junta muita gente ou juntava muita gente na metade do campo com uma só referência no ataque, que era Calleri. Luciano, Patrick, Neves, Maia... São jogadores que podiam se mover por todos os lados com dois alas muito bons, Reinaldo e Igor Vinícius. A verdade é que eu gostava muito de um zagueiro canhoto que saiu, Léo, que conduzia bem e que te empurrava para seu próprio campo."
"Acreditávamos que era uma partida muito dura e não detectamos rapidamente - vamos atacar assim ou vamos defender assim? Então nos custou muitos jogos de análise, acredito que assistimos a mais de 20 jogos do São Paulo para esta final, em que umas três ou quatro semanas antes da decisão, nem bem nos classificamos, começamos a nos reunir com a comissão técnica. Pela manhã, nosso trabalho normal e habitual do que ainda competíamos, mas durante as tardes e nas concentrações – quando íamos jogar, por exemplo, em Guaiaquil, na noite anterior do jogo – nos reuníamos no hotel, pedíamos uma sala e nos colocávamos a esmiuçar e encontrar padrões do São Paulo para poder ir com plano definido, porque não podemos... Para o jogador, a ideia tem que chegar concisa, mastigada e clara."
"Nos jogos anteriores à final, eles tiveram bons desempenhos com linha de 4 (contra o Avaí, quando golearam, e também pela Copa do Brasil, apesar de não terem conseguido a virada). Decidimos apostar que eles iriam jogar com a linha de 4 e preparamos o jogo assim com alguns detalhes caso fizessem uma linha de 5. Era um desafio muito grande enfrentar o São Paulo, então tínhamos que ser muito valentes para poder pressionar e defender para poder levar o jogo aonde nós gostamos, sabendo que eles têm muita experiência e muita gente por dentro. Depois de muitas voltas - porque tenho que ser sincero, dei uma infinidade de voltas no plano do jogo -, acabei decidindo que o melhor era ser o mais agressivo possível e pressionar com um meia avançado e dois atacantes, botar alas contra alas e por dentro estar bem cobertos. Estávamos homem a homem praticamente em vários setores do campo. E bom, acredito que no final acertamos, fizemos bem, e eles pressionaram muito bem. Também propuseram uma pressão bastante agressiva, o que nos custou para encontrar nosso jogo, mas à medida que o jogo foi correndo e eles foram diminuindo (a pressão), baixando as energias, nós pudemos começar a fazer o que tínhamos treinado e o que somos, uma equipe que tenta rodar a bola, porque tem que jogar como time – se nossos jogadores começassem a driblar um por um do São Paulo, não íamos conseguir. E acabamos fazendo um segundo que para mim é o mais representativo do Independiente del Valle ao longo de sua história: todos os 11 jogadores de campo tocam na bola. Isso para nós significou algo glorioso, e a magnitude de ganhar de uma equipe como o São Paulo para mim é algo que é uma façanha."
CONMEBOL Recopa contra o Flamengo
"Uma mudança de treinador, para nós treinadores, complica (Dorival Júnior foi substituído por Vítor Pereira). Porque no final as surpresas são maiores, é uma equipe que está em formação, que pode modificar muitas coisas. Acho que não mudou muito em relação à tática, ao sistema do que estava sendo feito. Os jogos do Mundial de Clubes não serviram para ter mais informações. Os jogos do campeonato estadual, alguns dos quais também utilizamos para análise... Mas não nos deu tanto trabalho tático quanto o São Paulo no momento da análise. Acho que continuou uma linha e fomos mais claros sobre o que tínhamos de fazer, o que não quer dizer que iria correr bem, mas fomos claros sobre qual poderia ser o nosso plano de jogo. E também fomos claros, eu, pelo menos dentro de mim, sabia como queria jogar na ida e como queríamos jogar na volta. Ou seja, imaginamos um jogo de ida de uma forma onde fosse extremamente necessário ter uma vantagem, ou seja, vencer o jogo. Se fosse para mais, melhor, mas não importava, era ganhar para poder modificar na volta e ter o plano de jogo que já tínhamos pensado. Bem, no final aconteceu que vencemos, conseguimos executar o plano que tínhamos para a volta. Mas se hoje eu tiver que voltar no tempo, teria mudado: a estratégia da volta na ida e a da ida na volta. Não me pergunte porquê, e por isso digo que é complexo analisar pelos resultados, porque claro, como ganhamos parece que foi perfeito. Mas poderíamos ter invertido e acho que poderia ter funcionado melhor, mas poderíamos ter perdido talvez."
Sul-Americana ou Recopa: qual o maior título da história do Del Valle
"Recopa, sem sombra de dúvidas. É o torneio de maior relevância. Para ganhar a Recopa, você tem que ganhar – se já conquistou a Sul-Americana – do melhor da América. Então, vindo de onde viemos, sem dúvida (a Recopa); certamente para o Flamengo são as Libertadores. Para nós, é a Recopa, porque ganhamos de um time brasileiro, o Flamengo, e decidindo no Maracanã. Este é o título mais importante da história do clube."
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