O Morumbis pulsava em 29 de maio, na noite de segundo maior público registrado pelo São Paulo em 2024. Na vitória por 2 a 0 contra o Talleres, pela Conmebol Libertadores, mais de 56 mil pessoas registraram na memória os gols de Lucas e Luciano. O volante Bobadilla estava em campo, foi titular, mas não se lembra de nada. Aos 33 minutos do primeiro tempo, ele e Juan Portilla tiveram um choque de cabeça no meio-campo. O paraguaio foi atendido, mas voltou ao jogo. O São Paulo abriu o placar com Lucas, de pênalti. No segundo tempo, Bobadilla deu lugar a Luiz Gustavo aos 28 minutos. Pouco depois, Luciano definiria o placar em favor do Tricolor. Fatos que foram apagados da memória do meio-campista. – Eu não lembro do jogo, não me lembro de nada do jogo. Só me lembro até o golpe, mas o que aconteceu no jogo, o gol do Lucas eu não lembro, só vi pelos vídeos – diz ele, que agora convive com uma cicatriz no meio da testa, que vem ganhando tratamento estético para ficar menos evidente. – Essa marca vai ficar para sempre na minha vida, então cada vez que eu olhar no espelho, vou me lembrar que eu fui jogador do São Paulo, que joguei a Libertadores, que fiz gol aqui. Isso para mim é o que é mais importa. O que fica é o que você faz e o que você conquista, isso é o mais gratificante. Nesta entrevista exclusiva ao ge , a primeira do paraguaio desde que chegou ao Brasil, o atleta de 23 anos lembra o período em que viveu no Brasil ainda na adolescência junto do pai, o ex-goleiro Aldo Bobadilla, conta o que aprendeu sendo filho de um jogador de seleção e se declara ao São Paulo: – Acho que foi uma das melhores decisões (da minha vida) vir para cá – destacou o jogador, que acumula 24 partidas e dois gols marcados em sua primeira temporada. Veja a íntegra da entrevista: ge: Uma das suas cenas mais marcantes neste início de trajetória no São Paulo é o seu choro na conquista da Supercopa, no Mineirão, num jogo que você nem tinha jogado. O que foi esse choro? – Cara, na verdade eu não sei, eu não sou um cara de muitas… Eu não tenho nenhum vídeo chorando no meu time passado (Cerro Porteño), nem quando saímos campeões. É uma sensação que eu tive aqui. Quando o Rafa pegou o pênalti e a gente começou a correr, foi tudo muito rápido, sabe, chegar aqui e já ser campeão, ter um primeiro jogo em um time grande como São Paulo , a torcida estava lá do nosso lado também, cantando, todo mundo feliz, acho que foi uma emoção muito grande que eu não consegui controlar, aí comecei a chorar, mas de felicidade, de alegria, de agradecimento a Deus também pela pela oportunidade. Acho que foi uma das melhores decisões vir para cá. Como tem sido sua adaptação ao Brasil? – Eu já me lembrava muito daqui porque morei em São Paulo quando era criança, tinha nove anos (em 2010), então muita coisa como a comida e o idioma, eu já estava acostumado. Já estou falando bem português, compreendo tudo. A única coisa que é difícil aqui é o trânsito, tudo é muito longe. O que você lembra dessa época? Seu pai tinha vindo ao Brasil para jogar pelo Corinthians, né? – A gente morava em um condomínio. Eu ia para a escola das 7h às 14h, às vezes ia para o treino com ele, jogava bola com os meninos do condomínio, ainda falo com eles, fiz amizade. Mas a gente só morou por quatro meses no Brasil, foi um período curto. Lembro de olhar os treinos, tinha Roberto Carlos treinando falta, Ronaldo treinando pênalti, era legal. Meu pai dizia que o Roberto Carlos chutava muito forte, muito bem. Ele marcava gol olímpico, essas coisas também. Nota da redação: Aldo Bobadilla chegou ao Corinthians em julho e deixou o clube no início de dezembro de 2010 sem nem estrear. Partiu para o Olímpia, do Paraguai, e parou em 2012. E como foi para você crescer sendo filho de um jogador de futebol? Seu pai jogou no Boca Juniors, foi goleiro da seleção do Paraguai por muitos anos... – Tomei como uma motivação. Ter comigo um cara que jogou futebol, que sabe o que é jogar em time grande. Para mim, facilitou um pouco algumas coisas, algumas tomadas de decisão para me ajudar a chegar no profissional. Ele sempre fala sobre o treinamento, o cuidado pessoal que é importante. Agradeço muito pelos conselhos que ele me deu, você não ter o apoio da família deve ser difícil. Mas é uma pressão grande também, porque ele lá no Paraguai ele conquistou duas classificações para a Copa do Mundo, e a gente já faz 14 anos que não vai para um Mundial, então é uma pressão. A seleção é uma pressão, mas eu tomo como uma pressão boa. Acho que na próxima Copa poderemos ir. E é verdade que seu pai tem guardada uma camisa que trocou com Rogério Ceni? – Sim, ele tem um quarto onde tem todas as coisas que ele guarda, né? As camisas... Ele era capitão, então tem as coisas que trocam os capitães do jogo (flâmulas), tem uma do São Paulo , e tem essa camisa do Rogério que tem (os números) 0 e 1. Eu também troco camisas, agora que jogamos contra Grêmio, Botafogo, Palmeiras e Corinthians eu troquei com os paraguaios. Temos um grupo onde falamos, estão o Villasanti, os dois Romeros (Ángel e Óscar), o Gustavo Gómez, o Isidro Pitta (Cuiabá)... Nota da Redação: a camisa de Rogério Ceni foi trocada por Aldo Bobadilla no ano 2000, num duelo entre Cerro Poteño e São Paulo pela Copa Mercosul. O ex-goleiro contou a história ao ge. Você chegou ao São Paulo em janeiro após um bom ano no Cerro Porteño, em que fez 11 gols em 48 jogos. O que acha que fez o clube ter interesse no seu futebol? – Não sei, quando eles me contrataram, falaram que estavam procurando um segundo volante, mas que tivesse também a característica de jogar de primeiro, em varias posições, e que fosse um cara jovem. Acho que o jogo que fiz contra o Palmeiras no Morumbis me marcou, porque jogar neste estádio e fazer gol, fazer uma boa partida, para eles (diretoria do São Paulo ) foi uma uma coisa boa, não é fácil de jogar no Morumbis, acho que isso me ajudou muito também para para vir para cá. Nota da Redação: em abril de 2023, o Cerro perdeu para o Palmeiras por 2 a 1 jogando no Morumbis pela Conmebol Libertadores, mas Bobadilla marcou um gol de cabeça Hoje você tem formado uma dupla de volantes no 4-2-3-1. Como tem se sentido? – Aqui eu jogo aqui diferente do que jogava lá, né? Com o Thiago Carpini eu já joguei com um tripé, quando fiz gol no Água Santa. Aí, aqui com Zubeldia, a gente joga mais com dois volantes mais posicionados, sem tanta ida para o ataque, mas como eu estou jogando com o Luiz Gustavo, que é mais primeiro volante, ele deixa que eu saia um pouco mais. Estou muito cômodo (na posição). Posso fazer qualquer função, mas agora estou bem com essa e feliz pela oportunidade também. Na vitória por 1 a 0 contra o Flamengo, no Morumbis, você teve umas duas pisadas na área... – Eu gosto de fazer, sei que às vezes como a nossa característica (do time) é jogar pelos lados, com os laterais que vão muito fundo, a gente não pode ir à frente, porque vai deixar os caras lá de atrás muito sós, mas quando tem a oportunidade eu gosto de ir. Lembro de uma jogada que o Jonny (Calleri) fez o cruzamento e eu cheguei na área porque não tinha ninguém. Gosto muito de fazer isso, eu vou tentar continuar fazendo. O treinador sempre fala que eu não tenho que perder isso, e é o que tento fazer. E você também tem o chute de fora da área, né? – Gosto de fazer o chute fora da área, estou devendo alguns gols aqui. No momento certo, vão sair. Há alguns dias, Zubeldía elogiou a postura do Luiz Gustavo nos treinamentos, de apesar do currículo ser um cara que batalha pela posição com humildade. Como tem sido conviver com ele? – Para mim, é um privilégio, né? Estar com um cara como ele, de tanta experiência, que jogou o Mundial (Copa de 2014), que jogou Champions League (campeão em 2012/13 pelo Bayern de Munique), receber conselhos também. É um sonho para mim jogar com um cara assim. Ele dentro do campo fala muito comigo, mesmo antes e durante o jogo, me cobra também algumas coisas que eu tenho que melhorar, mas sempre com muita humildade, sempre apoia nos treinos também. Você falou do Morumbis com admiração. O que tem de tão especial na casa são-paulina? – O Morumbis é um campo histórico, né? Todo mundo conhece o Morumbis na América do Sul e no mundo. E a gente às vezes vinha jogar de visitante aqui e era difícil, porque tinha a torcida contra, agora que eu tenho a torcida do meu lado é muito melhor, né? O que eu mais notei aqui do Brasil é que quando você joga de visitante, é visitante de verdade. Foi assim quando fomos para Fortaleza. E quando jogo de mandante, me sinto mandante de verdade também, sei que os caras que vêm jogar aqui também respeitam muito por causa da torcida. É bom demais jogar no Morumbis. E é diferente subir aquela escada de acesso ao gramado em noite de Libertadores? – É diferente, a chegada ao estádio, nessa semana todo mundo fica falando do jogo, a arquibancada fica cheia, é diferente jogar uma Libertadores no Morumbis. Como foi pra você disputar a Copa América pelo Paraguai? – Foi a minha estreia como jogador da seleção, meu primeiro jogo oficial foi na Copa América e eu fiquei feliz pela estreia, obviamente que triste também pelo resultado. A gente estava brigando para tentar passar de fase. Era um grupo difícil com Brasil e Colômbia, mas fico feliz quando sou chamado porque tem um montão de caras que querem ir para jogar, e o treinador tem que escolher só 25 ou 26. É um privilégio estar nos 26 melhores do país, e jogar pelo seu país é uma sensação única, às vezes fico também com saudade de estar aqui, de jogar, sempre via os jogos dos meus companheiros. O clube pediu para você não jogar os Jogos Olímpicos? – Claro que também queria ter ido aos Jogos Olímpicos, mas pela necessidade das lesões dos companheiros, eu tinha que ficar aqui. Fui chamado, mas como não é Data Fifa, não tem obrigação de o clube liberar. E eu compreendi, já estava voltando da Copa América, se eu vou de novo ia ficar quase dois meses fora e o clube está precisando de volante pela lesão do Alisson. – Eu entendi a situação do clube e fiquei feliz por ter ficado, porque jogar em um time tão grande como o São Paulo também é uma coisa que todo jogador quer, é um tricampeão mundial, então jogar aqui, jogar na Seleção para mim é uma benção, então estou muito feliz. E como foi para você ver o James Rodríguez fazer o que fez na seleção da Colômbia? Ele treinava desta mesma forma no dia a dia do CT do São Paulo? – Sim, ele sempre treinava deste jeito. Quando o cara pega a bola, o centroavante já sabe que a bola vai chegar na cabeça dele. Ele conseguiu fazer duas assistências contra o Paraguai e ele fazia sempre isso nos treinos, nos jogos também, quando teve a oportunidade de jogar, ele tentava fazer. Mas é difícil jogar no São Paulo, é difícil jogar num time grande assim e como ele não teve muita sequência, acho que não conseguiu dar o melhor da capacidade dele. Mas é um grande jogador, uma grande pessoa. James leva muitos amigos daqui, a gente gosta muito dele, ele é muito gente boa e desejo muito sucesso para ele na próxima aventura que ele tenha na carreira. Além da marca na testa, tem mais uma na perna esquerda, né? – Essa foi feita pelo André Silva, o nosso centroavante, no jogo contra o Fluminense (vitória por 2 a 1). Foi fogo amigo, sempre falo com ele que antes de eu ir embora ou dele ir embora, eu vou cobrar, vou deixar uma marca nele também (risos).
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