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Muricy faz três anos de São Paulo e revela o que o assusta

São Paulo e Muricy Ramalho têm motivos para comemorar neste dia 2 de janeiro de 2009. Afinal, esta data marca a consolidação de uma parceria de sucesso. Há exatos três anos, Muricy assinou o contrato para voltar a trabalhar no Morumbi, depois de passagem pelo clube na década passada.

Desde aquele dia 2 de janeiro de 2006 até hoje, Muricy ganhou títulos e respeito no São Paulo. Nesta entrevista exclusiva à Gazeta Esportiva.Net, Muricy falou sobre os responsáveis por ficar tanto tempo no Tricolor, mas também expôs o que o assusta no futebol.

Justamente por conta de um desses medos, o comandante não se mostra tão disposto a tentar construir uma carreira na Europa, mesmo sendo o treinador com mais evidência no Brasil, hoje.

Além disso, o são-paulino ainda expôs sua preocupação em não adiar demais a aposentadoria. O comandante também falou à GE.Netsobre a pressão que sofreu para ser demitido do São Paulo depois de algumas derrotas dramáticas.

GE.Net: Neste dia 2 de janeiro, você completa três anos de contrato com o São Paulo. De quem é o mérito maior por você se sustentar por tanto tempo no clube?

Muricy: O mérito é de todos, dos dirigentes, do seu Juvenal e meu também, porque os resultados mostram que faço um bom trabalho. Eu também respeito, porque permaneço no clube. A todo lugar em que vou, sempre tentam me tirar do clube. Neste ponto, é muito mérito meu, porque não aceito. Eu tenho tempo para trabalhar e acredito muito na consistência do trabalho a longo prazo. São coisas que bateram. O seu Juvenal pensa o futebol mais ou menos da mesma forma que eu. O duro é quando o treinador pensa uma coisa e o presidente do clube, outra. Acho que é por isso que estou aqui até hoje.

GE.Net: É possível você repetir no São Paulo o que o Alex Ferguson faz no Manchester United (permanecer no cargo por cerca de 20 anos)?

Muricy: Acho que é muito diferente. Para isso, eu teria que ganhar um título importante todo ano e pode ser que não aconteça assim. No dia em que não acontecer, com certeza vão me querer fora. Já o Ferguson perdeu títulos e continua. No Brasil, o pensamento e a cultura não permitem isso, eu sou muito consciente. Enquanto eu estiver aqui, vou procurar ganhar títulos, porque sei que sem isso não consigo permanecer.

GE.Net: Só os títulos o seguram aqui?

Muricy: Eu trabalho também, porque não tenho multa (por rescisão de contrato). Se tivesse multa, teria outra coisa por trás. Às vezes, os caras mantêm a pessoa porque têm multa, mas não tenho coisa nenhuma e, se quiserem me mandar embora amanhã, podem me mandar. Além de buscar título, também desenvolvo o trabalho. Eu recupero e lanço jogadores, além de melhorar os atletas que são contratados. Por isso, eles vão para a seleção brasileira e o clube os vende. Esta é uma estratégia do clube, e eu faço parte disto também. Neste ponto, ajudo a dar lucro ao clube. Se não ganho título, eles ficam satisfeitos pelo trabalho que desenvolvo também.

GE.Net: Você se sente mais satisfeito quando revela um atleta como o Jean ou quando recupera alguém como o Hugo?

Muricy: As duas coisas me deixam satisfeito, pois ambas foram difíceis. O momento do Hugo foi muito, muito complicado. Havia muita resistência e só nós, que estávamos no dia-a-dia, acreditávamos nisso. Enfrentei muita coisa por falarem que eu estava apostando em um cara que não tinha nada a ver. O caso do Hugo foi muito difícil de lidar, mas eu soube levar bem o negócio. Eu pedi para que o seu Juvenal deixasse que eu tratasse do processo. Pedi para eu conversar com o jogador. Falei que eu conhecia bem o Hugo e que saberia lidar com essa situação. Ele me deixou à vontade para resolver. Já o Jean é um caso que me dá muito prazer, porque a seqüência dele seria pegar o passe livre. Esse é o caminho dos caras que saem da base e jogam uma ou duas vezes no time de cima – como aconteceu com ele. Depois, começa a ir para um lugar, não dá certo e volta para Cotia. Na seqüência, os caras têm de dar o passe para o jogador. Seria assim com o Jean. Mas eu tenho um compromisso com o São Paulo e acho que não posso só ficar focado no trabalho de lá (no CT), mas sim no geral do clube. Estávamos com dificuldade no setor, porque o Zé Luis tinha se machucado, e tive de procurar soluções. Não pude pedir reforço para o Juvenal, porque ele não contrata toda hora. Criei outro time, porque tinha 18 jogadores encostados. Treinavam separados e estavam desmotivados, mas decidi dar uma mexida nos caras. Eu os trouxe de volta e, no primeiro treinamento em que vi o Jean, disse que ele ficaria com o time. Há técnicos que vêm e não fazem isso, porque não é a filosofia deles. Mas estou aqui há três anos e modifiquei a relação da base com o profissional. Toda semana vem algum time de outra categoria para treinar com a gente. Está dando lucro. Já apareceram o Breno e o Jean.

GE.Net: Nestes três anos de clube, em algum momento você pensou que não seria mais possível continuar no São Paulo?

Muricy: Houve, claro. O momento difícil é sempre o da derrota, e há algumas que machucam e marcam. Você olha para as pessoas e pensa: ‘Já desistiram de mim, é melhor eu ir embora mesmo’. A derrota é a pior coisa do mundo para um técnico, porque ele é o único derrotado. No futebol, as pessoas só dividem a vitória, e não o insucesso. Os que estão perto do futebol só ganham, e não perdem. Quem perde é sempre o treinador, porque eles não querem ser acusados pela derrota. Eles têm medo de ser acusados e fazem questão de apontar mesmo. Sei que é assim e já aconteceu várias vezes, mas não na minha frente, porque não têm coragem. E também não chegam perto de mim porque não dou liberdade. Mas eu sei que acontece aqui dentro, conheço tudo. Eu nasci aqui e conheço até o porteiro. Sei o que acontece aqui e domino bem isso. Fico sabendo e isso me deixa triste demais, porque o cara está comigo no dia-a-dia, vendo meu esforço, mas, quando perde, dá as costas. Várias vezes pensei em largar. Depois da Libertadores deste ano (2008), eu fiquei muito triste. Mas existem pessoas parceiras como o Milton (Cruz, auxiliar), o Tata (auxiliar), o Marco Aurélio (Cunha, superintendente), o Carlinhos (Neves, preparador físico)... Eles me dão força e, por isso, ouço os caras bons, e não quem sabe pouco. Eu acredito que há o bem e o mal. O bem vence o mal e eu acabo ficando. Eu sou batalhador pra caramba e volto forte de novo.

GE.Net: Há o boato que você não tem boa relação com o Leco (Carlos Augusto de Barros e Silva, vice de futebol). Há algum problema entre vocês?

Muricy: Existe muita lenda também. Primeiro, o seu Leco não tem nem tempo de estar todo dia no CT, até porque é advogado e tem seu trabalho. Ele participa muito pouco de nossas coisas. Pode ser que, em uma época ou outra, ele tenha feito uma crítica em uma derrota e pedido a saída, mas é uma coisa natural. Eu sempre vejo pelo lado bom. Tem de pensar que uma hora o cara começa a conviver com você e vê que o que pensava não era nada disso, vê que você é gente boa. Eu convivo bem com ele e com todo mundo, mas eu sou um técnico que convivo pouco com as pessoas. No meu trabalho, não sou de sair e de jantar com ninguém. Acaba o jogo e vou ao meu quarto, não fico jantando com dirigentes. Eu sou um técnico de pouco contato com as pessoas do clube, não sou de estar junto. Não é que eu não me dê bem com o Leco. Acontece que eu não saio com ele nem com o João Paulo (de Jesus Lopes, diretor de futebol) nem com ninguém. Esta é minha maneira de ser. Uma opinião que ele teve lá atrás pode ter sido mudada agora. As pessoas mudam de opinião e vêem que o outro é trabalhador. Acho que ele está pensando nisso hoje, porque ele me conhece melhor que antigamente.

GE.Net: Você está em alta agora. Geralmente, quando um treinador está em evidência, é normal colocar rótulo de paizão, estrategista, autoritário, psicólogo... Você se encaixa em algum deles?

Muricy: Eu não gosto de rótulo e não sou paizão, porque não fico abraçando muito jogador e não vou ao aniversário dos filhos deles. Eu sou um técnico normal e tenho de comandar o time e o ambiente. Eu sou comandante pra caramba, e isso é fundamental. O técnico também precisa de disciplina e ter o grupo na mão, com horário e treinamento duro. E precisa trabalhar o time taticamente, que eu gosto de fazer. Eu sou um técnico assim, não tem perfil de nada, apenas sou técnico. Eu sei que tenho o respeito dos jogadores porque sou muito justo com eles, não tem sacanagem. Não vou à sala do Juvenal pedir para mandar embora um ou outro, não tenho esse papo. Eu só subo na sala se for para falar: “Juvenal, renova o contrato do Júnior por mais um ano”. Ele foi e aceitou (no fim de 2007). Eu tenho o respeito dos caras por causa disso e porque não entrego na imprensa, eu seguro a bronca. O meu rótulo é este, eu sou justo. O Richarlyson estava jogando e, depois, entrou o Jean, que não saiu mais. Eu fiz o Richarlyson entender que tem de trabalhar para voltar e respeitar a vez do cara. E não tenho manias de técnicos de futebol. Tem técnico com mania de olhar que o cara usa brinco, calça rasgada... Isso enche o saco do jogador. E também não faço muita reunião, só faço quando a coisa está feia e preciso pegar duro. Não tenho rótulo e minha formação é de disciplina, comando e partes tática e técnica. Eu procuro ser o mais justo possível. Mas claro que, às vezes, o cara não concorda com minha justiça, mas eu tento fazê-lo entender que o outro entrou porque mereceu.

GE.Net: O que você fazia como jogador que hoje o ajuda como técnico?

Muricy: Encontrei todo tipo de técnico e de companhia no futebol, fui aprendendo. Cada um tem uma formação. Meu pai me levava às 2 horas da manhã para o mercado de Pinheiros. Eu fui vendo que a vida era dura e que só conseguiria as coisas se trabalhasse muito. Vai muito do caráter. Nunca mudei como jogador nem treinador. Tenho amigos até hoje no futebol pelo meu caráter.

GE.Net: Havia alguma coisa que você fazia quando era jogador e que hoje proíbe seus atletas de fazerem?

Muricy: Claro. No tempo de moleque, eu ia para a balada, mas era responsável porque no outro dia treinava pra caramba. Nunca me atrasei nem paguei multa. Eu fazia tudo o que os jovens faziam, mas eu era responsável. Eu explico isso para eles. Vão para a balada, tomam cerveja, saem e não sei o quê, mas no dia seguinte têm de estar às 9 horas no CT e treinar pra caramba. Eles têm de pensar nisso, porque há tempo para tudo. E falo que não adianta fazer isso ou aquilo porque eu já fiz os dois. Aviso que eles têm de inventar uma nova. Eu falo que o migué que querem me dar não cola mais. Eu sou muito claro e não deixo dúvidas no ar. Se eu sentir que tem alguma dúvida no ar, eu chamo o cara para minha sala para pôr a limpo. Converso e tiro a limpo, não pode ter dúvida.

GE.Net: Contando suas trajetórias como jogador e técnico, você está em seu melhor momento no futebol?

Muricy: Estou. Eu já tinha falado isso há dois meses, mesmo antes de ser campeão brasileiro. É o meu melhor momento. Eu fui percebendo que o trabalho estava evoluindo e os jogadores melhorando. Eu percebia que, mesmo quando estávamos lá atrás, os caras continuavam com respeito por mim e com disciplina. Isso mostra que o trabalho não aparece apenas no momento bom do time. Às vezes, o ambiente está ruim, mas você continua fazendo um bom trabalho e sente isso no jogador. Com isso, aparece a valorização e você recebe muito contato, alguns convites e consultas para times fora do País. Isso mostra que chama a atenção mesmo.

GE.Net: Você trabalhou no México (Puebla FC, em 1993) e na China (Chuhua, em 1998) como treinador. Tem o plano de trabalhar no futebol europeu?

Muricy: Sinceramente, não tenho um plano. Fiquei muito tempo fora de casa quando era jogador e tive muitas perdas por não estar aqui. Perdi meu pai e não o vi ser enterrado, cheguei depois porque estava no México. Quando perdi minha mãe, também não estava aqui. E não vi minha filha nascer. Perdi muita coisa no futebol e isso me marca muito, me assusta um pouco. Não tenho projeto de sair. Fiquei nove anos fora de São Paulo correndo o Brasil. E não tenho esse plano, a não ser que seja alguma coisa excepcional, fora de série. Se não fosse assim, poderia mandar as pessoas que cuidam da minha carreira irem para a Europa e forçarem meu nome.

GE.Net: Algum clube da Europa já o procurou?

Muricy: Os caras vão lá e ouvem falar de times da Europa. Mas não vejo consultas. Proposta é diferente. Eu só vejo papel timbrado porque, senão, chego aqui e o seu Juvenal não acredita. Tem muito treinador que fala que recebeu convite, mas foi só uma consulta. Convite é papel timbrado e com dinheiro escrito lá. É só nisso que acredito.

GE.Net: Como o Dunga está se mantendo para a Copa de 2010, está começando agora a especulação de quem será o técnico da seleção na Copa de 2014, aqui no Brasil. Você tem essa ambição?

Muricy: Até lá, pode ser que eu não seja mais técnico, penso em descansar. Não sei se estarei trabalhando. Uma das coisas também que me assustam um pouco são as pessoas ficarem doentes no futebol, e técnico fica muito doente. A pessoa não tem idéia do que acontece com os técnicos. Trabalhei perto de vários e um deles foi o Telê. O cara fica doente porque isto aqui consome a pessoa, funde parte da cabeça. Se o cara não se cuidar, é perigoso. Eu não quero chegar a este ponto. O quanto antes, quero viver um pouco. O futebol tira muito o profissional de casa e da família e, por isso, acho que em 2014 serei torcedor.

GE.Net: Você ganha título anualmente desde 2001. Com este retrospecto, você é o melhor técnico do Brasil?

Muricy: Eu sou um bom técnico e sei que posso atingir objetivos. Não sou um bom técnico apenas por títulos, mas também por lançar jogadores e por saber segurar uma bronca. Eu sou competente no que faço, porque me preparei muito para isso. Mas não falo dessa coisa de melhor, porque tem muita gente boa.

GE.Net: Você costuma dizer que não faz propaganda de seu próprio trabalho. Mas você não acha que isso também atrai outros clubes e acaba servindo como um marketing?

Muricy: Eu não atrapalho os clubes. Há muito técnico que é chato e fica falando que tem que contratar um e não vender outro, além de reclamar da grama e da sala. Há técnico que atrapalha o clube, mas, no São Paulo, não pode ser assim porque existe a estratégia de vender jogadores. É preciso vender para manter isto tudo aqui, e eu não atrapalho. Eles vendem jogador toda hora e não vou reclamar com o seu Juvenal. Nunca pedi e não atrapalho a estratégia do São Paulo. Pelo contrário. Eu vou buscar jogador e dou um jeito. Os caras vêem o custo-benefício que tenho e isso conta muito hoje. Por isso, os caras querem me levar, pois sabem que vão ter lucro.

GE.Net: Mas você fica no São Paulo até o fim do contrato, em dezembro de 2009?

Muricy: Espero ficar. Não tenho nada em mente. A conversa é para ficar mesmo.

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