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Baú da revista: Juvenal, o caubói solitário

O homem tímido, o dirigente verborrágico. As duas faces de Juvenal Juvêncio, o presidente que desde 2006 transformou em trono seu gabinete no Morumbi

Juvenal Juvêncio não é um só. São dois. O marido é do tipo que não fala “eu te amo” e nem manda flores. O presidente do São Paulo adora falar palavras como “jaez” (qualidade) e “magnânimo”. O primeiro, mais reservado, é apresentado pela mulher. “Ele é um homem maravilhoso, um bom companheiro, mas nunca foi romântico. Quando quer me agradar, pede para os filhos falarem alguma coisa, nunca diz nada diretamente”, afirma dona Angelina, casada com o presidente do São Paulo desde 1954, quando ela tinha 17 anos e ele, 22.

A falta de romantismo tem a ver com a timidez, por mais que alguém que tenha visto Juvenal empunhando um microfone não concorde. Mas como duvidar de dona Angelina? “Ele é do interior, teve criação rígida. É tímido. E por isso, para compensar, é atirado. Quando foi falar com minha mãe, nem me avisou. Não deu tempo para fazer o meio de campo.”

A timidez da relação familiar some quando o homem público aparece. Este Juvenal é outro homem, verborrágico, dono de pausas profundas e adjetivos incomuns. Com o cabelo levemente despenteado, suando, ele domina a situação como se fosse um comediante de stand-up, com aquele sotaque que mistura o interior de São Paulo (ele é de Santa Rosa do Viterbo, a 307 quilômetros da capital) com os “esses” puxados que ficariam bem no Leblon.

Para que “eu te amo”, se ele pode falar que o São Paulo conquista títulos de muito jaez, que tem diretores magnânimos e de alta estirpe? Os arroubos verbais não são a única diferença entre os Juvenais. O marido é tratado com mel do interior. O presidente se trata com uísque escocês. O mel, abundante, é derramado sobre queijo minas, milho e banana no café da manhã. Tudo acompanhado por sucos diversos.

O uísque vem depois. Há pessoas que garantem ver Juvenal bebendo várias vezes por dia. Outros dizem que é só à noite. Todos afirmam que o único efeito é a vermelhidão no rosto e a língua mais solta. Não perde a pose. Não trança as pernas. Não dá vexame. Depois do café da manhã, Juvenal lê jornais de cabo a rabo. E “Esportes” nem é o caderno preferido. “Sabe todos os shows e filmes que estão na cidade e adora política. É fã da Dilma [Rousseff] e também lê livros sobre política. Fez cursos de oratória”, diz Angelina.

Um animal político. “Ele gosta mais de política do que de futebol. Seu herói é o Faria Lima, mas tem votado com a esquerda nos últimos tempos. Não é apenas a política partidária, mas a prática política. Ele gosta do jogo duro, das articulações, de bancar para ver, de apostar alto”, diz Marco Aurélio Cunha, ex-genro de Juvenal e vereador de São Paulo, eleito em outubro para o segundo mandato.

Juvenal gosta de pagar para ver. Vai até o fim em algumas apostas. Foram dois casos recentes. Em 2010, na eleição do Clube dos 13, se uniu a Fábio Koff, que era candidato contra Kleber Leite, apoiado por Ricardo Teixeira. Venceu a eleição, o que serviu de justificativa para que Andrés Sanchez, então presidente do Corinthians e aliado de Ricardo Teixeira, implodisse o Clube dos 13 e passasse a negociar diretamente com a TV Globo – e conseguir – cotas maiores para seu clube.

Não parou por aí. Coincidência ou não, a Fifa decidiu que o Morumbi somente seria a sede de São Paulo na Copa do Mundo se o clube bancasse reformas que custariam R$ 600 milhões. O clube não apresentou garantias bancárias e o Corinthians teve o direito de construir o seu estádio e ser a sede paulista do Mundial.

“O São Paulo não se verrrrga”, foi a resposta de Juvenal. Ele negociou uma reforma do Morumbi, com cobertura, arena de 25 mil lugares para shows e colocação de assentos nas arquibancadas. Além disso, rejeitou ceder os Centros de Treinamento de Cotia e da Barra Funda para treinamentos de seleções.

Apesar das divergências e desavenças, Juvenal e Andrés se falam bastante. Juvenal gosta de mostrar aos que estão ao seu lado o nome de Andrés quando o celular toca. Em outubro de 2011, porém, a relação estava em um ponto que parecia sem volta. Revoltado com Andrés, que havia dito que Dagoberto, então no São Paulo, iria para o Santos e que Romarinho (que foi para o Corinthians) estava chegando ao Morumbi, Juvenal acusou o presidente corintiano de ter “Mobral inconcluso”. Com requintes de crueldade, Juvenal foi no ponto – a baixa escolaridade – que mais aborrece Andrés. Pesquisou e tocou na ferida. Magoou o corintiano e ganhou pontos com sua torcida, que odeia Andrés.

Andrés reagiu. “Não sou ditador, de dar golpe. Sempre trabalhei em empresa privada, nunca trabalhei em lugares públicos. Não me formei na escola dele, que sabe muito bem fazer casas populares e vender”. Referia-se ao fato de Juvenal haver prorrogado o mandato no São Paulo e às suspeitas sobre a atuação dele como presidente da Cecap – órgão estadual responsável pela construção de casas populares – no segundo mandato do governador Laudo Natel (1971-1975).

Juvenal chegou à Cecap depois de ter se formado em Direito em São José dos Campos e ter sido candidato a vereador em 1965, em São Paulo. Pelo Partido Democrático Cristão (PDC), teve 7.935 votos e ficou com a quarta suplência. Foi chamado a assumir em seis oportunidades, completando 50 dias como vereador. Fez nove discursos e um projeto de lei. Juvenal propôs que novas licenças de táxi fossem concedidas apenas para quem tivesse carros amarelos. Para justificar seu pedido, citou metrópoles modernas que já apostavam na uniformização da frota.

De vereador do PDC e ocupante de cargo público em governo da Arena (a base de apoio à ditadura militar) a eleitor do PT. A trajetória pode mostrar alguém que trocou a direita pela esquerda. Não é o que pensa João Paulo de Jesus Lopes, vice-presidente de futebol do São Paulo. “Ele e muitos outros ocuparam cargos técnicos no governo do Laudo. Não tem a ver com direita. Ele deu emprego a Vilanova Artigas, arquiteto comunista”, diz.João Batista Vilanova Artigas (1915-1985) é o arquiteto que projetou o Morumbi. “É um dos ídolos do Juvenal”, diz Marco Aurélio Cunha. Neto do arquiteto, Marco Artigas Forti conta sobre a ligação entre eles: “O Juvenal conheceu o Artigas no concurso para o estádio do Morumbi, no final da década de 1940. Depois, voltou a ter contato com ele na Cecap, quando teve a coragem de nomear o Artigas coordenador de projeto na época em que ele estava sendo processado [1967] e cassado [1969]. Colocar comunista para fazer uma obra pública na ditadura? Precisava ter muita coragem.”

O presidente, que adora dizer-se um entendido em futebol e que vibra com a prática política, se dedica atualmente a estender seu poder no clube mesmo após sua saída. Ele faz de tudo para que em abril de 2014 haja uma chapa única no intrincado sistema eleitoral são-paulino, formada sob sua supervisão. “A arrogância dele chegou a esse ponto, mas não vai conseguir. Há muita gente nova fazendo política no clube, tentando chegar ao Conselho e ele não pode sufocar toda essa gente”, diz Edson Francisco Lapolla, que enfrentou Juvenal na última eleição e teve apenas sete votos. “Muita gente não votou porque achou que estaria legitimando o golpe dele”, completa.

O golpe a que se refere foi a mudança de estatuto patrocinada por Juvenal em 2008, aumentando o mandato do presidente de dois para três anos e permitindo uma nova reeleição. Assim, ele, que tomou posse em 2006, foi reeleito em 2008 e poderá ficar até 2014.

“A eleição está sub judice, ele perdeu na Justiça, mas é tudo lento. Ele continua no poder, mas se tiver que deixar o cargo dois dias antes do final do mandato, eu considerarei como uma vitória pessoal”, diz Lapolla, que afirma não haver cardeais no São Paulo, mas apenas um. “Esquece Leco [Carlos Augusto Barros e Silva], esquece João Paulo [de Jesus Lopes]. O Juvenal sempre foi o único líder”. Se vingar a chapa única, Juvenal, segundo Lapolla, procurará alguém de seu núcleo duro para ser o candidato. “Essa conversa de Rogério Ceni ou Adalberto Batista é lenda. Será Leco ou João Paulo.”

Luís Rosan, fisioterapeuta do clube, repete uma frase dita muitas vezes por Juvenal. “A instituição São Paulo não é um clube de esquina. Sofremos muito para construir nosso patrimônio e ele não pode cair nas mãos de um aventureiro”. Quando deseja convencer Juvenal a investir no seu setor, Rosan usa o estilo do dirigente e fala que “a instituição São Paulo” não pode ficar para trás. Ele se sensibiliza.

Rosan pensava em um nome para o novo setor de fisioterapia do clube. Queria algo relativo à palavra “núcleo”. Um dia, estava na Seleção e recebeu um telefonema de Juvenal: “Ele perguntou se eu sabia o que era ‘Refis’. Nem tive tempo de responder e ele falou que era um órgão do governo para socorrer empresas. E que a gente socorreria atletas. Então, sugeriu ‘Reffis’ com dois ‘efes’: Recuperação Esportiva Fisioterápica e Fisiológica. Não gostei, mas aceitei. Pensei que, quando voltasse a São Paulo, já teria pensado em um nome melhor. Só que ele já havia feito convites e cartazes.”

Hoje, no centro de treinamento de Cotia há um novo Reffis, com 7 mil metros quadrados. E, no Morumbi, há um terceiro, para associados e atletas olímpicos. No total, há aparelhos que custam R$ 10 milhões. Rosan se entusiasma ao definir Juvenal. “Ele é como JK [Juscelino Kubitschek]. É um centralizador, um tocador de obras, mas também é alguém que pensa à frente. Em dez anos no São Paulo, ele construiu o Ref-fis, Cotia e está reformando o Morumbi.”

Para Willamis de Souza Silva, o Souza, meia que marcou 47 gols em 133 jogos de 2003 a 2008, Juvenal é apenas Jota Jota. Nada de JK. Um dirigente que sabe o que o jogador quer. “O São Paulo nunca pagou bicho menor que o adversário. Um dia, a gente ia enfrentar o Corinthians, que era patrocinado pela Samsung. A gente era da LG. Aí, soubemos que a diretoria deles tinha prometido um bicho maior que o nosso e uma TV de 32 polegadas. Ele falou que ia pagar o dobro e que ia telefonar para o patrocinador, que prometeu uma TV de 45 polegadas. Maior que a deles. Ganhamos, é lógico.”

Em 29 de junho de 2005, O São Paulo jogou contra o River Plate, em Buenos Aires, pelas semifinais da Libertadores. O time viajou com o bicho combinado. Venceu por 3 a 2 e, entre abraços e gritos, Juvenal entrou no vestiário. Luisão, o centroavante, pegou uma bolsa na mão e chamou Juvenal. “Presidente, estou passando essa bolsa para o senhor. Se jogar para cima, é porque o bicho foi dobrado”. Juvenal arremessou a bolsa. Foi ovacionado.

O dinheiro é pago na hora. Nada de cheque, nada de transferência, dinheiro vivo. “A gente levava até pochete, dava um jeito para não dar na vista, mas o dinheirinho ia direto para casa. Jota Jota sabe do que a gente precisa”, lembra Souza.

Um dia, ele achou que Souza, Fabão e o lateral Junior mereciam um presente. Deu um cavalo para cada um. Manga-larga marchador, de seu haras, o Agropastoril Carolina, em Santa Rosa do Viterbo. Lá, ele tem 60 cavalos. Os mais famosos são os garanhões Grafite de Kakolê, de 11 anos, e Intacto da Nova Geração, de cinco anos. É filho de Maragato LJ, o que permite a Juvenal cobrar R$ 1,5 mil para cada cobertura de seus garanhões.

José Roberto Canassa, conselheiro vitalício que esteve ao lado de Juvenal nos 12 anos de oposição (1990-2002), hoje o vê totalmente recluso. “Ele se acha à prova de erros, não ouve ninguém e ficou arrogante. Brigou com a Federação Paulista, com o Corinthians, o Flamengo, o Palmeiras, o Santos, a CBF e a Fifa. Perdeu tudo. O Morumbi ficou fora da Copa, mas ele acha que está tudo bem.”

Carlos Augusto Barros e Silva, vice-presidente do clube, é muito ligado a Juvenal. “Um homem que pensa muito e decide o que vai fazer sem consultar ninguém. Ele comunica o que resolveu e faz com que todos defendam seu ponto de vista.” Mas essa não é a definição de um ditador? “Mas ele é um ditador. É um déspota esclarecido, mas tudo o que faz é para o bem do clube que dirige. Ele é imprescindível para o São Paulo”.

Marco Aurélio Cunha, ex-genro, sempre votou em Juvenal. Mas comandará uma chapa em 2014. “Serei candidato a presidente. Não gosto de falar em arrogância, mas o clube foi sendo tomado por certa soberba nos últimos anos. É preciso restabelecer laços de amizade com os coirmãos”, diz. Para definir Juvenal, Marco Aurélio Cunha é rápido. “É fácil ter uma relação de paixão e ódio com Juvenal. Ele é severo, duro, carismático e muito inteligente. É vigoroso e leal, mas muito desconfiado. Ele não aceita ser enganado e exagera imaginando que estão fazendo isso com ele. Discute as decisões com seu círculo mais próximo, mas as toma sozinho”. Essa não é a definição de um capo, de um chefe da Máfia? “Prefiro dizer que ele é um caubói. Um solitário caubói”.

Obs.: reportagem originalmente publicada na edição de janeiro/2013 da revista ESPN.

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