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No dia em que Telê faria 80 anos, filho lembra assédio do Barça

Renê conta que o pai chegou a recusar proposta por respeito a Cruyff, que ainda era o técnico da equipe na época. Depois, Mestre sofreu AVC e parou

Das muitas histórias que o nome de Telê Santana carrega no mundo da bola, uma foi lembrada pelo seu filho, Renê, nesta terça-feira, 26 de julho, dia em que o pai completaria 80 anos de idade se vivo estivesse. Resume, com perfeição, por que virou sinônimo de ética e arte nos quase 50 anos de carreira. Seja como "Fio de Esperança", apelido recebido em pesquisa com torcedores nos tempos em que, franzino, com a camisa do Fluminense, fazia a diferença nos campos como um dos primeiros pontas a cumprir sem erros a missão tática de voltar para ajudar a marcar no meio-campo. Seja como "Mestre", quando, treinador, principalmente no São Paulo, imprimiu às equipes que dirigiu o futebol arte tão sonhado pelos amantes do jogo bonito.

O ano era o de 1996. Telê vivia grande fase. Bicampeão da Libertadores e mundial interlcubes pelo São Paulo em 1992-1993 (veja este último no vídeo abaixo), entre outros tantos títulos, deixava para trás a fama injusta de pé-frio recebida após os insucessos na Seleção Brasileira que encantou o mundo mas retornou para casa mais cedo em 1982 e 1986. Voltou a virar notícia e ganhou o assédio de clubes, como o Valencia, da Espanha, e de seleções, como a japonesa. Mas a prioridade era o São Paulo, com quem tinha contrato e compromisso moral. Dizia não sem pestanejar. Até que surgiu no caminho um dos grandes gigantes, o Barcelona...


No São Paulo, sepre de camisa vermelha, que usava por superstição, Telê Santana ganhou os títulos mais importantes como treinador, como duas Libertadores e dois Mundiais Interclubes (Foto: Agência Estado)

- Pela primeira vez, ele admitiu ouvir os dirigentes. Mas aí disse o seguinte. "Olha, fico lisonjeado com o convite de um clube como o Barcelona, mas vocês têm um treinador, que é o Cruyff. Não posso aceitar, não seria nada ético." O dirigente respondeu: "Ele sabe que estamos aqui." Pegou o telefone e ligou para o Cruyff, que explicou estar de saída em um mês. Aí, ele aceitou continuar a conversa, logicamente ouvindo o São Paulo. Só que aconteceu o pior. Adoeceu, teve o AVC e não voltou mais a dirigir clube nenhum. Mas sinto um orgulho enorme pelo comportamento que teve. Sempre com ética e caráter - afirmou por telefone o filho Renê Santana, em São Paulo para participar de alguns eventos em homenagem a Telê.

Quis o destino que não se concretizasse a união do técnico brasileiro mais identificado com o futebol bem jogado com o clube cujo lema é formar grandes equipes e encantar o mundo. Nem dá para imaginar como seria essa parceria. Certo na cabeça de Renê Santana é que o Barcelona de hoje, com Messi, Xavi, Iniesta & Cia., deixaria o pai feliz em sua poltrona, em casa, diante da TV. O futebol de toques precisos, rápidos e objetivos foi o que sempre pregou. E o exemplo do comportamento de Telê citado por Renê mostra que arte e ética podem andar juntas sem prejuízo para o esporte. As primeiras palavras de Zico para se referir ao eterno Mestre só reforçam a ideia.

- Falar de Telê Santana é falar de bom futebol, lisura, disciplina, jogar bola como numa pelada. Coisas mais raras hoje em dia, que o futebol virou um grande negócio e se quer ganhar a qualquer preço. Ele sempre pedia para tirarmos a bola sem fazer falta. Chegava pra nós e dizia: "Joguem bola. Vocês têm condições." Lembro até hoje de uma imagem dele muito bacana. Foi num jogo contra o Paraguai, no Serra Dourada, pelas eliminatórias. Um dos gols que marquei foi muito bonito, por cobertura. Quando vi o teipe do jogo na TV, uma das imagens era do Telê sorrindo logo após esse gol. Ele adorava uma jogada bonita...

Ainda que às vezes mostrasse uma cara amarrada nas entrevistas, os jogadores conheciam um Telê mais leve, solto, bem-humorado. O sorriso que Zico viu na TV era presenciado pelos jogadores no dia a dia. Principalmente na tensão que precedia os jogos.

- Quando a gente entrava no ônibus da Seleção, já sabia que o Telê poria uma fita com piadas do Ari Toledo e do Juca Chaves. Mas o Ari era o favorito dele. Tinha jogador que já botava o fone para não ouvir. Ele era muito dvertido, adorava contar piada - afirmou o Galinho, recuperado do susto na sexta passada, quando foi internado no hospital com suspeita de meningite.

Se Zico lembra do bom humor do treinador, dona Ivonete, viúva do eterno "Mestre", recorda com saudades do lado supersticioso do técnico nos tempos de São Paulo.

- Ele sempre vestia uma camisa polo vermelha. Dizia que dava sorte. Quando chegava, após uma vitória, ficava todo sorridente, brincando. E procurava sempre passar tranquilidade para a família antes das partidas. Não queria ver ninguém nervoso. Sinto muita saudade. Era um grande marido e companheiro. Cada ano sem ele vai se tornando mais triste - afirmou dona Ivonete, que viveu mais de 50 anos ao lado de Telê, dividindo os momentos de alegria e incertezas, seja na carreira de jogador como de treinador.

Nervosismo em Itabirito

A caminho de uma exposição fotográfica em São Paulo lembrando os 80 anos de Telê, o filho Renê fez uma viagem no tempo e recordou uma das partidas mais tensas do pai como jogador.
- Olha, você não vai acreditar, mas ele disse que ficava muito nervoso quando disputava o clássico de Itabirito, onde nasceu, entre o Itaberense, time em que jogava, e o União. Garante que ficava mais tenso do que num Fla-Flu, por exemplo.

Telê parecia saber que dali poderia despontar para o mundo. O menino franzino se destacou pela habilidade e fôlego. Logo, logo, o América de São João del Rei o contratou. De lá, foi para o Fluminense, onde virou ídolo. Na ponta direita, tornou-se o "Fio de Esperança".. Além do futebol técnico, primava pela eficiência tática. e se tornava o primeiro ponta a se preocupar com a função tática de marcação. Tanto que era comum vê-lo recuar para ajudar na marcação. Sempre com muita raça.

O camisa 7 tornou-se logo ídolo. Ganhou os Cariocas de 1951 e 1959, além da Copa Rio, em 1952, e o Torneio Rio-São Paulo, em 1957 e 1960. No Fluminense, seu time de coração. marcou 162 gols e jogou 557 partidas - é o terceiro da história que mais vestiu a camisa tricolor.

Foi no Fluminense também que Telê pendurou as chuteiras e começou a carreira de treinador em 1968. Lá, desde que se tornou técnico e campeão nos juvenis, começou a imprimir sua marca registrada: era adepto do futebol técnico e com disciplina. Não demorou a levantar o primeiro título nos profissionais.

- Meu pai falava muito do título carioca em 1969. Foi um jogo emocionante. Havia mais de 170 mil pessoas no Maracanã, e o Fluminense venceu por 3 a 2, gol do Flávio - disse Renê.
Depiois, Telê partiu para o Atlético Mineiro, mas deixou no Flu a base do time que conquistaria o Roberto Gomes Pedrosa em 1970, equivalente ao nacional. No mesmo ano, foi campeão mineiro pelo Galo, e em 1971 deu ao Alvinegro, que tinha no ataque Dadá Maravilha, o primeiro título da competição já com o nome de Campeonato Brasileiro. Em 1973, teve sua primeira passagem pelo São Paulo, sem sucesso, até chegar a outro tricolor, o gaúcho. No Grêmio, em 1977, quebrou domínio de oito anos do Inter e ajudou o clube a faturar o título estadual. No Palmeiras, mesmo sem títulos, marcou ao montar grande time, que jogava bonito, despertando o interesse dos dirigentes da CBF, que o convidaram a ser técnico da Seleção Brasileira.

Mesmo eliminado nas Copas de 1982 e 1986, Telê ganhou o respeito e admiração do mundo ao montar boas seleções. Mas a derrota na Espanha em 1982, no estádio Sarriá, para a Itália, por 3 a 2, é vista por Zico até hoje como maléfica para o futebol, porque dali em diante o medo de perder ficou maior do que a vontade de ganhar jogando bem. Passou a ser mais importante vencer, ainda que de forma feia. Afinal, um time dos sonhos com Zico, Falcão, Sócrates, Junior, Leandro e Éder saía derrotado de um Mundial.

Mas esse mesmo futebol, que passou um tempo impregnado por retrancas, viu Telê ressurgir com força no São Paulo no início dos anos de 1990. Com Raí, Palhinha, Cafu, Muller, Leonardo, Cerezo e tantos outros, montou dois times que só deram alegrias. Um bi.da Libertadores e do Mundial em 1992-93 pôs fim às críticas. Telê ganhava o mundo com um time à sua feição.

Com Sócrates e Zico, seus favoritos na Seleção Brasileira, Telê montou time dos sonhso em 1982, Mas não conseguiu o título, bem como quatro anos depois, no Mundial de 1986 (Foto: Agência Estado)

- Quando ele chegou ao São Paulo, recuperou o Raí, que estava em baixa. Meu pai conseguiu mexer com os brios dele, que tinha uma proposta do Albacete, da Espanha. Foi aí que meu pai falou: "Olha, se eu fosse você, esperava e acreditava mais no seu futebol. Você tem bola para jogar num clube melhor que o Albacete." Não deu outra: Raí foi o herói do primeiro Mundial, em 1992, e acabou indo para o PSG, da França. Aí veio o Leonardo, que conheceu no Flamengo, outro que adorava. Esses foram os preferidos. Na Seleção, Sócrates e Zico - afirmou Renê.

Ao abandonar o futebol em 1996 por conta de um acidente vascular cerebral, Telê saiu de cena dos campos, mas deixou um sucessor que pelo menos o segue na sina de titulos. Muricy Ramalho, auxiliar do Mestre no São Paulo, acabou papão de Brasileiros. Foi tricampeão em 2006-07-08. Antes de faturar a Libertadores no Santos este ano e garantir o direito de decidir, contra o mesmo Barcelona que um dia quis Telê, o Mundial de Clubes no fim do ano, levou no Flu seu quarto título nacional. E foi ali, naquele momento, no clube de coração do "Mestre", fez a homenagem a Telê, falecido em abril de 2006.

- Eu fiquei tão emocionado que queria falar. Essa noite eu sonhei com o Telê Santana. Sonhei que dei um tremendo abraço nele. Tenho certeza de que ele está muito contente lá em cima com esse título do Fluminense... Acho que esse sonho aconteceu porque falaram tanto dele durante a semana... Acho que foi por isso. Vi o Telê vivo no sonho. E prometi a mim mesmo que, se fosse campeão, ia falar sobre isso - disse Muricy, que, como tantos brasileiros, também sonha em rever o futebol bonito e tão desejado pelo "Fio de Esperança".

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