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Vamos rasgar o script

Se eu torcesse para um rival, estaria vivendo dias de absoluto orgasmo mental com a fase do São Paulo. As pulsões levemente sádicas que regem nossas relações com o futebol me fariam inclusive traçar uma espécie de script de expectativas. Pensando friamente, há certas coisas que simplesmente não estão ao alcance do torcedor. Como melhorar a relação atribulada de Buffarini com a bola? Que poder temos nós para fazer Junior Tavares ser criterioso na hora de cruzar, em vez de despejar 20 bolas na área todo jogo? Lá do gélido concreto da arquibancada, como devolver a mobilidade que Cueva perdeu em algum lugar de março entre umas latinhas de Itaipava e uns ceviches? E como impedir o desmonte da equipe promovido por Leco e Pinotti em meio à temporada? A sensação de impotência é nosso maior inimigo hoje.



O fato é que fases duras moldam caráter. Alguma dessas frases motivacionais cafonas que o pessoal compartilha em Comic Sans para mandar indiretas, do tipo "Mar calmo nunca fez bom marinheiro" há de se aplicar ao momento atual. E quando me refiro ao momento, não falo dos últimos meses, mas da década inteira. Desde 2010, o São Paulo ostenta uma soberba que absolutamente não se justifica no campo. Se apequena em clássicos, mói jogadores e treinadores a rodo, raramente disputa as taças, nunca as ganha, cada vez mais briga na parte de baixo da tabela, brinca com fogo e corre atrás do próprio rabo. Os rostos mudam de ano em ano, mas a fórmula segue intacta. O resultado prático deste processo é a criação de um abismo entre a torcida e o time. Pode ter Lugano, Rogério, Lucas ou quem seja, o sentimento de não se ver representado permanece.

Voltando ao script da tragédia: o resultado de 2x2 em casa contra o lanterna Atlético Goianiense foi melhor do que os sonhos dos nossos haters poderiam prever. Uma leitura rasa e apressada do jogo não deixaria dúvidas: foi um completo desastre, jogo típico de equipe rebaixada, com dois empates sofridos em lances dignos de Didi, Dedé, Mussum e Zacarias. A monumental brochada, contudo, não deve e não pode impedir que enxerguemos que houve, sim, pontos positivos na partida de estreia de Dorival Junior, dentro e principalmente fora das quatro linhas.

Para furar retrancas, basicamente há quatro maneiras: chutes de longa distância, dribles, bolas paradas e tabelas rápidas que quebram linhas de marcação. Na primeira etapa, o São Paulo só levou algum perigo ao gol de Felipe pelos bons cruzamentos de Jonatan Gómez e quando Jucilei decidiu infiltrar a área adversária, driblar e cruzar para Pratto desviar. O futebol pobre de 11 jogadores que pareciam carregar um saco de cimento sobre os ombros não foi capaz de desanimar a torcida, este patrimônio que o São Paulo optou por adormecer nos últimos anos. A tensão e o princípio de vaias no apito que decretou o intervalo foram logo abafados por gritos de apoio dos mais de 31 mil torcedores que não se assustaram com o frio e o péssimo horário da partida e deram as caras no Morumbi.

No segundo tempo, o cenário de um deserto de imaginação no 4-2-3-1 de Dorival persistiu. Wellington Nem parece ter saído do roteiro de Space Jam para a vida real: se esforça, batalha, procura o jogo e simplesmente toma todas as decisões erradas. Algum ET roubou seu talento e não quer devolver. Aliás, a opção do treinador de prestigiar os jogadores que acredita serem tecnicamente mais capazes, mas que vinham em uma espiral de greve de futebol, como Cueva e Nem, é interessante e louvável. Ambos estão devendo muito, mas o recado, tanto ao serem escalados quanto ao serem substituídos, é claro: os melhores jogarão e cabe a eles justificar o voto de confiança em campo. O São Paulo não está em posição de abrir mão de ninguém, mas isso não significa que devamos seguir mimando estrelas.

O peruano, diga-se, buscou o jogo, se mostrou bem mais disposto do que nas últimas atuações, mas fisicamente parece abaixo do aceitável. Em belíssima cobrança de falta que originou o primeiro gol, mostrou brio ao pedir para bater. Em seguida, num erro displicente, entregou a bola para o gol de empate de Niltinho. A concorrência de Lucas Fernandes, em franca ascensão, e a chegada de Dorival bastarão para despertar no camisa 10 a fagulha criativa e a vontade de se recondicionar fisicamente antes de se tornar mais uma venda de Leco? Assim esperamos.

A enorme atuação do não menos enorme Walter chamou a atenção tanto quanto a presença dominante de Jucilei no meio-campo. A proposta de contra-ataques do Atlético foi abandonada quando, no segundo tempo, os visitantes vieram para cima e trocaram golpes ao ritmo de Walter, com seus toques classudos de primeira. O jogo ficou franco e, à força, Marcinho fez belo gol num tirombaço de fora da área. Conforme previsto, uma bola parada e uma pancada de longe furaram a retranca. A catarse que invadiu as mais de 31 mil almas foi bonita de se viver. Era alívio. Se tivesse uma fotografia daquele exato instante, veríamos que cada são paulino desconfiado estava abraçado aos 11 caras assustados que, em campo, tentavam representá-los. Isso está ao nosso alcance: criar condições para que o São Paulo se fortaleça mentalmente e saia dessa areia movediça que o ameaça. O empate de calcanhar foi uma dura estocada em nossos corações, mas para mim, ficou claro que há um longo túnel e uma luzinha lá no fim. Nós, são paulinos, não podemos apagar essa luz. Temos de rasgar o script da tragédia: não vamos abandonar o São Paulo.

Amanhã contra a Chapecoense, temos mais uma luta. E quarta, contra o Vasco, é dia de lotar o Morumbi. Vai ter que ser na marra, pessoal.

por Pedro De Luna

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