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Rupturas (ou: como rasgar um planejamento em pedacinhos)

por Pedro De Luna

Da última vez que o São Paulo derrotou o Atlético Paranaense fora de casa, as lágrimas pela morte de John Lennon, assassinado apenas 14 meses antes, ainda estavam frescas. O Brasil vivia os últimos anos da ditadura militar e se preparava para a chamada redemocratização enquanto Jô Soares fazia campanha para que Telê escalasse mais um ponta na Seleção que em breve jogaria a Copa do Mundo da Espanha. Kaká ainda estava na barriga de sua mãe, Dona Simone, e o Tricolor tinha pouquíssima tradição internacional.



É duro dizer isso, mas o impressionante tabu de 35 anos sem vencer o Furacão em solo paranaense persiste se não como uma chaga narcísica, como um enigma. É bem verdade que o time hoje comandado por Eduardo Baptista é tradicionalmente forte em seus domínios, especialmente desde que inaugurou a Arena da Baixada, em 1999, mas desde então já tivemos dezenas de oportunidades de, com times melhores que o atual, conquistar 3 pontos e colocar fim na maldição.

Hoje é o dia de, quem sabe, conseguir o simbólico feito frente a um adversário que tem oscilado na parte de baixo da tabela, mas que vem de duas vitórias tão magras quanto necessárias. E aí cabe falarmos de nós mesmos, uma equipe que a cada dia sinaliza com mais força que não terá aspirações sérias nesse campeonato, seguindo à risca o exemplo do que já fez no Paulistão, Copa do Brasil e Sul Americana mais cedo.

Para analisar o presente momento do Tricolor, uma palavra vem à mente: ruptura. Em diversos âmbitos, da gestão ao campo, o curso que outrora parecia natural foi rapidamente alterado, e nem todos se deram conta. Vamos aos exemplos:


1) Maicon

Comprado em definitivo há exatos doze meses numa custosa, comemorada e arrastada negociação de 12 milhões de euros (6 mi em dinheiro + 50% dos direitos econômicos dos jovens Luisão e Inácio), o zagueiro já está de malas prontas para a Europa novamente, após uma nítida queda de forma, algumas polêmicas e a perda da faixa de capitão. O valor oferecido pelos turcos do Galatasaray pelo atleta de 28 anos gira em torno de 7 milhões de euros, e a direção tricolor aparentemente não criará obstáculos para sua saída.

É seguro afirmar, portanto, que o São Paulo se arrependeu de ter investido alto em Maicon. No frigir dos ovos, para ter um ano de seu futebol, cedeu duas badaladas promessas de Cotia e teve prejuízo de cerca de 5 milhões de euros, descontando o que o clube gastou com salários no período. Mudança de planos?

2) Lugano

O tratamento dedicado a um dos maiores baluartes da história do São Paulo tem sido nada menos que revoltante. O argumento do custo-benefício provou-se apenas um pretexto humilhante para tentar justificar a postura de um desaparecido Leco e de um Rogério que só se manifestou (timidamente) sobre o tema depois que a opinião pública lhe pôs contra a parede, frente a um zagueiro que foi transformado numa dor de cabeça diplomática com que nenhum dos dois teve a capacidade de lidar minimamente bem. Cabe notar que, embora o blogueiro que vos escreve seja favorável à renovação do contrato de Lugano (por razões detalhadas neste texto), o desrespeito em si não reside na eventual opção do clube não prorrogar o vínculo, e sim na absoluta falta de transparência com que o caso foi conduzido desde o princípio.

Juvenal Juvêncio teve diversas falhas. Seus críticos mais ferrenhos o acusam de, em seus últimos anos na presidência, ter sido um déspota que centralizou o poder como nunca antes feito, anestesiou a oposição outrora atuante no clube, golpeou o estatuto para se reeleger e, de quebra, ressuscitou Aidar na política são paulina. Por outro lado, o finado cartola também tinha enormes virtudes, como a capacidade de se relacionar pessoalmente com todos os envolvidos no dia-dia da instituição, cativando-os mesmo quando tomava decisões impopulares. No caso de Lugano, é possível afirmar sem medo de errar que, após uma breve reunião tete-a-tete na sala de Juvenal, dois copos de whisky e algumas pedras de gelo, teríamos um veredicto - sem novela, sem desgaste, sem expor o ídolo e, logo, o próprio clube também ao ridículo. Ainda que o desfecho não fizesse as duas partes felizes, ao menos Lugano se sentiria respeitado por uma conversa franca, sem recados na imprensa ou intermediários.

A ruptura aqui neste caso é do São Paulo Futebol Clube com seu passado. O clube que era famoso por valorizar ao extremo as figuras que escreveram suas mais dignas páginas está passando longe de fazê-lo e hoje sequer as olha no olho. Os tempos aparentemente mudaram.


3) A questão dos zagueiros

Em sua coletiva de apresentação, em dezembro, o treinador novato Rogerio Ceni mirava despretensiosamente um saco de arroz e uma lata de refrigerante à sua frente quando respondeu sobre a fartura de zagueiros com os quais contaria em sua temporada de estreia: além dos titularíssimos Maicon e Rodrigo Caio, havia a estrela em ascensão Lyanco, a promessa congelada Lucão, a aposta semi-anônima Douglas, o eterno xodó Breno e o experiente ídolo Lugano. Demonstrando estar atento a tudo que circunda o clube, Ceni falou sobre a importância do rodízio e ainda mencionou que pretendia dar oportunidades à dupla sub-20 Lucas Kal e Tormena, mas que pelo inchaço de opções no setor, os jovens deveriam esperar sua vez e não seriam aproveitados num primeiro momento.

Meio ano depois, algo parece ter-nos feito rasgar esse planejamento. O antes prestigiado capitão Maicon já faz check-in para embarcar para a Turquia, sem grande oposição da parte da diretoria. Em busca de minutos, Breno pediu para ser emprestado ao Vasco e foi atendido. Lugano sente estar sendo forçado para fora do clube. Rodrigo Caio estendeu seu vínculo, mas, como jogador de Seleção, é valorizado nos grandes centros europeus e pode sair a qualquer janela. Lucão é uma bomba-relógio desestabilizada pelo status de persona non grata que adquiriu junto à torcida, e já foi afastado após mais uma falha e uma declaração pedindo arrego. Restam o pouquíssimo confiável Douglas e a grande surpresa da temporada, Eder Militão, garoto recém-subido de Cotia que já atua feito veterano pelo time titular. Em breve, devemos ter o equatoriano Robert Arboleda e o pernambucano Aderlan Santos pintando pela Barra Funda. Independentemente do nível que os reforços venham a mostrar, está claro que mais uma vez estamos perdidinhos da silva, refazendo o planejamento de semestre em semestre. O que ontem era certeza, hoje é dúvida. Quem outro dia era ídolo hoje é descartável.



4) O sistema defensivo e seus algozes-vítimas

[não, este não será um texto eximindo Lucão, Maicon e cia. de suas falhas]

Rogerio iniciou a temporada com uma proposta extremamente ofensiva, que incluía exigências como a manutenção da posse de bola, a transição veloz ao ataque e o perde-pressiona aplicado em ritmo intenso. Logo, ficou evidente o contraste entre o alto número de gols feitos e a também elevada quantidade de tentos sofridos - especialmente contra equipes nanicas. Havia acertos e um caminho promissor a seguir, mas era nítida a necessidade de ajustes na transição defensiva da equipe, bem como na marcação mista das bolas paradas lá atrás. A lacuna entre as linhas de defesa (que recuava ao ser atacada) e a de meio-campo (que avançava) custou muitos e muitos gols e pontos ao São Paulo, que foi gradativamente reduzindo seu ímpeto ofensivo enquanto tentava se equilibrar defensivamente, sem grande êxito. Rodrigo Caio, Maicon, Lucão, Douglas, Breno, Buffarini, Bruno, Junior Tavares... ao longo do primeiro semestre, basicamente todos os jogadores da última linha foram apontados como culpados individuais de gols que, certas vezes, escondiam uma fragilidade coletiva.

Após três eliminações traumáticas em série, na estreia do Brasileirão o "time que ataca bem" e que buscava propor o jogo deu lugar a uma equipe adepta de um estilo reativo, mais cauteloso o bem menos veloz. O 4-3-3, que antes era regra, virou alternativa circunstancial, sendo substituído por um 3-4-2-1 que inegavelmente rendeu bons frutos, embora contivesse um pragmatismo que em nada lembrasse a ideia original da dupla Ceni-Beale em janeiro. Os resultados e a pressão moldaram essa escolha conservadora e até certo ponto necessária, que inegavelmente representou uma ruptura. Ocorre que, mesmo acumulando mais jogadores atrás da linha da bola e se expondo menos ao risco, o São Paulo ainda toma muitos gols por falhas que misturam os aspectos coletivo e individual. Meio-campistas de marcação distante e light, além de um estilo lento operando com a bola no pé, como Cícero, por exemplo, têm um status de intocável para o treinador; e uma breve análise dos lances de alguns gols sofridos pelo Tricolor revela festivais de erros em cadeia que desaguam nos desprotegidos zagueiros, ora confiantes demais (olá, Maicon), ora confiantes de menos (olá, Lucão).

Boa parte da culpa mora com os próprios jogadores, que cometem erros técnicos e de fundamentos básicos e indesculpáveis. Entretanto, um sistema defensivo coeso e entrosado, com todas as peças sabendo exatamente que espaço ocuparem numa linha de 5, por exemplo, protege as individualidades. Muitas delas mostraram noutras etapas de suas carreiras que têm, sim, qualidade para compor o elenco são paulino. Enquanto não encontrarmos essa receita (e aí entra o trabalho da comissão técnica), seguiremos na toada dos últimos anos, correndo atrás do próprio rabo, reformulando o plantel de semestre em semestre e nos satisfazendo com pequenos sadismos inquisitórios ao decretar que ninguém jamais será bom o bastante pra jogar na zaga do São Paulo.

Em tempo: Lucão vacilou feio contra Corinthians e Atlético-MG (como em muitos outros jogos anteriores) e na entrevista destemperada e irônica na saída do gramado. Esta é, de fato, uma relação que não tem mais como ser restaurada. Ele me parece ser, contudo, um bom rapaz, que não soube lidar com o peso do mundo caindo sobre seus ombros, e não um sujeito arrogante que faz pouco caso de suas falhas. Que siga sua carreira noutro canto e seja feliz. E que nós tenhamos um sistema defensivo que não produza novos Lucões, algozes e vítimas ao mesmo tempo. Lembremos que Rodrigo Caio já teve dias assim, Maicon idem, e daí por diante. Faltarão cruzes se quisermos crucificar um a um. Culpar apenas (grifo nesta palavra) individualidades é tentador, mas se quisermos brigar por coisas grandes, precisamos de um time estável, adepto do jogo coletivo e que minimize o risco de falhas e oscilações terem impacto decisivo em todos os resultados. Não vem sendo o caso deste São Paulo que parece querer recomeçar tudo da estaca zero de novo.

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