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ENTREVISTA – Michael Beale, auxiliar de Rogério Ceni: Professor e aprendiz

O antigo treinador do sub-23 do Liverpool conversou com o HTE Sports sobre as suas impressões do futebol após 6 meses no Brasil

Por Smack Neto

Os caminhos do futebol levam a lugares nunca antes imaginados. Se nos anos 90, Michael Beale estava alugando um salão de uma igreja em Bromley, sua terra natal, para dar aulas de futsal a crianças de até 9 anos, hoje ele trabalha como auxiliar técnico de um dos clubes mais importantes do Brasil, o São Paulo Futebol Clube. Na Inglaterra, sua experiência de trabalho foi com jovens da categoria de base do Chelsea e do Liverpool.



Após 6 meses de trabalho, o auxiliar técnico do São Paulo concedeu uma entrevista exclusiva ao HTE Sports falando sobre o seu trabalho com desenvolvimento de jovens atletas, as diferenças do futebol praticado no Brasil e na Europa, a avaliação do trabalho no São Paulo e o lançamento do seu novo livro (disponível para aquisição em seu blog). Revelou sua preferência pela Seleção Brasileira de 82 e admiração pelo trabalho de Carlo Ancellotti. Acompanhe abaixo a entrevista completa:

Você tem experiência em trabalhar nas categorias de base do Chelsea e Liverpool. Chegou a ter contato direto com o trabalho em Cotia? Quais as principais diferenças e semelhanças do trabalho de base do São Paulo em relação aos clubes que você passou na Inglaterra?

Cotia é um lugar incrível. Uma das melhores academias do mundo, tanto em instalações como em jogadores desenvolvidos pelos treinadores. Rogério Ceni e nossa equipe têm um bom relacionamento com Rodolfo (Canavesi, diretor executivo), Pedro (Smania, coordenador das categorias de base) e (André, treinador do sub-20) Jardine. Estamos sempre conversando juntos sobre os jogadores. Às vezes, a equipe do sub-20 virá para o CT para treinarmos em conjunto com os profissionais. Gostaríamos de fazer isso mais, mas os horários para ambas as equipes são difíceis.

Rogério quer dar oportunidades para jovens jogadores em nossa equipe. Em 6 meses, Júnior (Tavares), Araruna e Militão deram o passo ao time principal como jogadores regulares. Lucas Fernandes é um excelente talento que está voltando recuperando a melhor forma física. Nós também temos o Shaylon, que está se ajustando para jogar um jogo mais físico dos profissionais, em comparação com o nível dos sub-20. Ele é um bom jogador de futebol. Léo Natel e Caíque estão nos treinamentos todos os dias e Lucas Perri, que é um goleiro excelente para o futuro. Então nosso time é muito jovem.

Estamos de olho em todos os jogadores no sub-20 e entusiasmados pelos jogadores da equipe sub-17, que acredito que irá produzir 3 ou 4 jogadores para o time principal do São Paulo. É uma geração muito boa para o clube e é muito importante que possamos mantê-los aqui e vê-los se desenvolver. Se você também pensa em Rodrigo Caio, Lucão, Morato, Thomaz, são meninos que estavam em Cotia. João (Schmidt), (Luiz) Araújo e Lyanco também, então mostra que Cotia é uma excelente academia.

Você chegou em Janeiro para iniciar o trabalho junto ao Rogério. 6 meses depois, como você avalia o trabalho desenvolvido pela comissão técnica do São Paulo?

Nossa jornada do Paulistão terminou em decepção, pois tivemos o potencial de ganhar o campeonato. No início do ano, jogamos muito bem e mudamos o nosso estilo de jogo, para se tornarem mais agressivos e atacando. Isso foi importante para criar e marcar mais gols. Então, naturalmente, equilibramos a equipe e tentamos nos tornar mais completos para sofrer menos gols. Perdemos a semifinal em dois jogos próximos e lembraremos isso com muita dor e arrependimento.

Os dois jogos no Morumbi contra o Cruzeiro e o Corinthians foram grandes decepções, pois tivemos potencial para fazer mais. Estes quatro dias (distância entre as duas partidas) prejudicaram a confiança da equipe e agora estamos nos recuperando disso. Nós jogamos alguns excelentes jogos este ano (5-2 Ponte, Santos 3-1 e Palmeiras 2-0) e isso mostra que temos muito potencial. Agora é a hora da consistência. Estou certo de que estamos no alvo de nossos objetivos no Brasileiro se pudermos continuar com os mesmos jogadores. Temos muito espaço para crescer.



Michael, o São Paulo é um clube que passa por um momento financeiro difícil e que acabou tendo que se desfazer de vários jogadores durante a temporada para fazer caixa (David Neres, João Schmidt, Luiz Araújo…). Como a perda de tantos atletas para um elenco tão curto atrapalha o desenvolvimento da formação do time? É uma dificuldade que você provavelmente não encontraria na Europa…

É um fato que perder bons jogadores não ajuda qualquer time de futebol. Esses caras vão para a Europa porque têm muito potencial. O clube deve se orgulhar de desenvolver esses tipos de jogadores a cada ano. Mas é muito difícil ajustar continuamente a equipe e encontrar uma solução para continuar ganhando. Este é um fato e não uma crítica.

Vender jogadores é natural no futebol quando é bom para o jogador e para o clube financeiramente. Também é natural que um gerente não queira perder jogadores quando no decorrer da temporada, porque cada vez que o grupo muda e você tem de trazer um novo jogador, leva tempo para ele se estabelecer e entender nossas idéias e estilo de jogo. Mas isso é futebol em todos os lugares, não apenas no São Paulo.

Ainda nessa linha de transferências, a janela brasileira para contratações e venda é diferente, fazendo com que se contrate e se vendam jogadores a todo tempo. Na sua opinião, uma unificação com as janelas de contratação da Europa ajudaria a diminuir esse problema?

Eu acredito que sim. Acho que ajudaria a desenvolver treinadores também, pois você deve aprender a trabalhar e desenvolver os jogadores que você tem e não procurar constantemente uma opção de curto prazo para comprar um jogador.

O São Paulo começou o ano com uma proposta de jogo bastante ofensiva, com o time marcando muitos gols e sofrendo muitos gols. Até o jogo contra o Corinthians, a equipe tinha a melhor defesa do Brasileiro, mas o ataque caiu de rendimento. Isso indica uma mudança na mentalidade ofensiva para defensiva no São Paulo?

Não, sempre queremos marcar gols e não tomá-los. No início do ano, jogamos mais abertos. Nós marcamos muitos gols, mas também sofremos muitos. Agora temos mais equilíbrio na equipe. Nós ainda criamos, mas não estamos marcando tantos gols como antes. No início do ano, Cueva, Thiago (Mendes) e (Luiz)Araújo estavam ajudando Pratto e Gilberto com gols. As lesões para Cueva e Thiago prejudicaram a equipe e Luiz Araújo foi negociado. Porém, Marcinho está mostrando um futebol promissor. Além disso, Cueva e Thiago Mendes voltam este mês.



Muitos jornalistas aqui no Brasil consideram que os jogadores brasileiros não tem uma cultura de executar funções táticas e que só aprendem isso se forem jogar na Europa. Você concorda com esse tipo de afirmação?

Talvez. Os jogadores que retornam da Europa trazem experiência e são taticamente mais avançados. Mas o calendário aqui é difícil e acaba gerando limitações ao desenvolvimento tático.

Além disso, o tempo que é dado em cada clube para que o trabalho do treinador tenha sucesso é muito pequeno. Isso não permite que um técnico desenvolva um estilo ou tempo para desenvolver jogadores ao longo prazo. Eu não sou a melhor pessoa para julgar isso depois de apenas 6 meses, mas a organização do calendário, com campeonato estadual e o Brasileiro está prejudicando o futebol daqui.

Com algum tempo de futebol brasileiro, quais as principais diferenças na forma de se enxergar e praticar o jogo que você enxerga aqui e na Europa?

O calendário acaba forçando as equipes a atuarem de forma defensiva e nem sempre com um estilo agressivo, com pressão, que é mais popular na Europa. Os jogadores aqui adoram jogar futebol e todos os dias eles são brilhantes, trabalhando duro no treinamento. Eu amo trabalhar com eles por isso, eles adoram o futebol. As sessões de treino são muito semelhantes aos treinamentos em que estou acostumado na Europa – os jogos são diferentes.

Em outras entrevistas, você falou muito sobre os “pequenos jogos” dentro do jogo de futebol (1×1, 2×2, 3×3). O trabalho desenvolvido no São Paulo é baseado na criação de meios para vencer esses pequenos duelos, independente do esquema tático da equipe?

É mais um desenvolvimento de jogadores jovens do que para uma equipe profissional. Uma equipe profissional entende isso de forma mais natural, especialmente os jogadores mais experientes. Mas é muito importante ter jogadores que podem jogar 1×1, driblar ou correr contra defensores no ataque. Sem esta técnica, habilidade ou velocidade, é muito difícil marcar gols. O futebol também deixaria de ser divertido de se assistir. Os jogadores brasileiros são muito criativos e também são bons em combinações de jogo. Eles estão em um nível muito mais elevado do que os jogadores da maioria dos países europeus.

Você escreve livros desde 2007 e acaba de lançar um novo livro, “60 métodos de treinamento para o desenvolvimento de atletas de elite”. Pode nos falar um pouco sobre este novo trabalho? Ele contém métodos de treinamento aplicados no trabalho feito no São Paulo?

As práticas neste livro são para treinadores de todos os níveis. Os treinos são desenvolvidos para ajudar a desenvolver jogadores e atacar o futebol. Alguns exercícios foram utilizados com a equipe de São Paulo, mas o livro está mais focado no desenvolvimento.

Numa entrevista para o ‘Estadão’ você afirmou que após o trabalho no São Paulo, seguiria carreira como treinador. Esse início poderia ser no Brasil? Ou você prefere voltar para a Europa para iniciar esta nova empreitada?

Neste momento, estou concentrado em ajudar a ajudar Rogério e São Paulo. O São Paulo é um excelente clube, com uma grande história e estou orgulhoso de trabalhar aqui. No futuro, talvez seja bom voltar ao Brasil para trabalhar como treinador principal. Mas não é um país muito bom para os treinadores, com toda a crítica da mídia e o tempo muito curto dado para o trabalho dos treinadores.

Toda semana, vejo um novo treinador perdendo o emprego, ou uma “crise” com o treinador. A mídia aqui deve ajudar e não criar os problemas para o desenvolvimento de jogadores e treinadores do Brasil. Isso precisa melhorar, à medida que o mundo inteiro procura por inspiração no Brasil quando se trata de futebol. A troca de treinadores ocorre com muita frequência e o foco apenas em ganhar está prejudicando o desenvolvimento de jogadores e treinadores. Isso é perigoso para o futuro da seleção em comparação com nações como a França e a Alemanha.

Qual o melhor time que você já viu jogar? E qual o melhor treinador que você já teve oportunidade de trabalhar com alguma proximidade durante as passagens por Chelsea, Liverpool e São Paulo?

O Brasil de 1982 é uma equipe de sonhos do passado, juntamente com a equipe holandesa de futebol total e o Brasil 1970. Contudo, prefiro seguir jogadores mais do que equipes e portanto, Xavi e Iniesta em Barcelona e também Zidane com Figo em Madrid foi incrível poder assistir.

Para treinar, sou um seguidor de tudo que Johan Cruyff acreditava no futebol. Isso é porque eu gosto de desenvolver jogadores e futebol. O gerenciamento é diferente e, para isso, eu olho para Carlo Ancellotti como um cara que ganhou campeonatos em diferentes países e com os melhores jogadores do mundo. Ele é excelente com sua comunicação de 1 a 1 e esta é a habilidade chave necessária para ser um grande treinador.

Por fim, quais as suas expectativas para o desempenho da Inglaterra na Copa do Mundo? Nos últimos mundiais, a equipe sempre vem com altas expectativas mas acaba desapontando…

A Inglaterra tem um grande problema com oportunidades para jovens jogadores. Muito disso acontece pela força financeira dos clubes da Premier League. Isso tem um efeito muito ruim nas chances da Inglaterra. Neste momento, 5 equipes na Europa são mais fortes que a Inglaterra e talvez 9 equipes no mundo sejam mais fortes. Não é impossível ir bem – chegar até a semifinal seria um grande sucesso. Acredito que França, Alemanha, Portugal, Bélgica, Brasil e Argentina tornem as coisas muito difíceis para a Inglaterra.

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